– A vida volta timidamente à normalidade em Maputo, mas pode ser por curto tempo. Na próxima segunda-feira o líder da oposição anuncia nova fase de “manifestações severas”
Por António Cumbane e Noémia Mendes
Maputo (MOZTIMES) – O Hospital Central de Maputo (HCM) abriu as portas dos serviços de urgências para atender às vítimas de violência durante a revolta popular em Maputo, esta quinta-feira. Até ao final do dia dos protestos, o maior hospital da capital atendeu 66 feridos, dos quais mais de 50 atingidos por balas de armas de fogo, disse, esta sexta-feira, em conferência de imprensa o director do serviço de urgência de adultos no HCM, Dino Lopes.
Das vítimas de ferimentos que deram entrada no HCM, 16 estavam em estado grave e três foram declaradas óbitos, Lopes disse a jornalistas. O hospital continua em prontidão 24 horas por dia para atender a todos os doentes que derem entrada, mas “a situação das manifestações está a sufocar a capacidade de resposta”, acrescentou.
O HCM teve apoio de estudantes universitários do curso de medicina, que se voluntariaram a prestar assistência às vítimas resultantes da revolta popular. A maior parte dos feridos nas manifestações de ontem são jovens dos 25 a 35 anos, segundo o relatório apresentado a jornalistas.
A grande revolta de quinta-feira foi anunciada e esperada com antecedência de pelo menos uma semana, quando o líder da posição, Venâncio Mondlane, anunciou que iria organizar uma grande marcha sobre Maputo para “tomar o poder através da revolução popular”.
Mondlane, que foi o segundo candidato mais votado nas eleições presidências de 9 de Outubro, rejeita os resultados das eleições anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que dão a vitória ao candidato presidencial da Frelimo, partido no poder, alegando que houve fraude eleitoral. A fraude foi reportada também por grupos domésticos e por missões internacionais de observação eleitoral.
O anúncio antecipado da marcha sobre Maputo permitiu que todos se preparassem com antecedência, incluindo os serviços de saúde, os serviços de segurança e até os advogados, para libertar as pessoas detidas ilegalmente.
A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) colocou advogados voluntários em plantão que ajudaram a libertar cerca de 2700 manifestantes que tinham sido detidos pela Polícia.
Para além de detenções ilegais, a Polícia respondeu às manifestações com violência, baleando os manifestantes com balas reais e atingindo várias pessoas com granadas de gás lacrimogénio, incluindo algumas que estavam em suas casas.
O candidato presidencial do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Lutero Simango, criticou a resposta agressiva da polícia. “A polícia sempre actuou com violência e essa violência é respondida com a violência que nós temos assistido”, disse Simango esta sexta-feira em Maputo falando a jornalistas. “Se a polícia quer manter a ordem e a legalidade pública deve agir com respeito pelos moçambicanos e não os violentar”, acrescentou.
Ainda nesta sexta-feira, o presidente Filipe Nyusi recebeu em audiência o apóstolo Luís Fole da Igreja Ministério Divina Esperança, na qual o líder da oposição Venâncio Mondlane é pastor. Na sua conta de Facebook, Nyusi escreveu que trocou com Fole opiniões sobre a situação do país e afirmou que “continuaremos a trabalhar de forma inclusiva para a estabilidade e desenvolvimento da nossa pátria”.
O partido PODEMOS, que apoia a candidatura presidencial do Venâncio Mondlane, disse esta sexta-feira a jornalistas que quer assistir as deliberações do Conselho Constitucional sobre o seu recurso contra os resultados eleitorais. O Conselho Constitucional recebeu recursos de todos os principais partidos da oposição contra os resultados eleitorais e remeteu a decisão final para quando deliberar sobre os resultados das eleições.
Normalmente o Conselho Constitucional delibera em porta fechada e apenas vem ao público proclamar os resultados. Este ano há muita pressão para que o Conselho Constitucional abra as suas sessões de trabalho ao público, podendo ser transmitida em directo pela televisão, tal como sucede com julgamentos de outros casos desde que não envolvam a vida privada das pessoas. O processo eleitoral não envolve a vida privada.
Volta à normalidade e incerteza
Entretanto, após sete dias de protestos intensos e violentos, o dia iniciou calmo esta sexta-feira na capital Maputo. Os serviços públicos e privados retomaram timidamente. Algumas agências bancárias reabriram pelo menos por algumas horas. Estabelecimentos comerciais nos bairros de Malhangalene, Luís Cabral, bem como os maiores mercados da capital, Xipamanine, Fajardo e Malanga, abriram e havia negócios em curso.
As estradas que ontem estiveram encerradas reabriram e era notória a circulação de transportes públicos e semi-coletivos de passageiros, entre a cidade e os bairros da periferia. Também havia circulação de veículos particulares.
A fronteira terrestre de Ressano Garcia, a maior entre Moçambique e a África do Sul, também reabriu na tarde de sexta-feira, após dias de encerramento devido à violência do lado moçambicano.
Mas não há certeza sobre por quanto tempo esta normalização irá perdurar. Na noite de sexta-feira, Venâncio Mondlane disse, a partir do seu esconderijo, que na próxima segunda-feira irá anunciar “a quarta e última fase de manifestações que será a mais severa”. Acrescentou que esta pausa serve para “descansar, curar os feridos e enterrar os mortos vítimas dos baleamentos policiais”. (AC/NM)