Por Lúria Mabui
Maputo (MOZTIMES) – No final do século passado, Tebeles (1998)[i] desenvolveu a teoria dos “Jogos Ocultos”, para explicar como funciona a arena política. O pressuposto central de Tsebelis é o de que a política é um campo dinâmico, de interacções estratégicas, onde os agentes – políticos, partidos, mídia, entre outros – jogam nos bastidores, para alcançar os seus interesses.
Tabeleis observa que, em grande parte, os cidadãos vêem a arena política de maneira distorcida, principalmente por meio das lentes de narrativas midiáticas ou simplificações apresentadas pelos partidos políticos. Argumenta que, embora muitos acreditem estar a participar de uma democracia transparente, na prática, estão expostos a “jogos” estratégicos que mascaram as verdadeiras intenções dos actores políticos.
Essa percepção errônea sobre a política é sustentada por uma série de encenações feitas pelos políticos, que criam um espectáculo, uma fachada pública, onde as escolhas políticas parecem claras, lógicas e morais, quando, nos bastidores, há uma verdadeira manipulação das informações e dos processos. Esse tipo de encenação é particularmente evidente em regimes aparentemente democráticos, onde as instituições são capturadas pelo partido dominante, transformando-as em veículos para a manutenção do poder.
Em Moçambique, o último processo eleitoral resultou em uma tensão política sem precedentes. A grande expectativa da população era que as eleições representassem uma oportunidade de mudança, e por isso houve um grande apoio ao candidato da Oposição, Venâncio Mondlane, à última hora suportado pelo partido PODEMOS.
No entanto, os resultados divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) deram a vitória ao candidato presidencial da Frelimo, Daniel Chapo, gerando uma grande contestação, que se alastra há mais de um mês, com implicações deveras negativas para a segurança e economia do país.
Entre as irregularidades eleitorais contestadas, constam alguns dos mesmos problemas de base, desde a transição democrática e as eleições de 1994, como falhas de recenseamento eleitoral, limitações à liberdade de reunião e movimento, enchimento de urnas, falhas na contagem dos votos.
Em resposta às irregularidades, Venâncio Mondlane convocou manifestações por todo o País, contestando os resultados. Contrariamente aos dados divulgados pela CNE, que indicavam uma vitória de Chapo com uma margem de 70%, contra 20% de Mondlane, as manifestações convocadas pelo candidato da oposição tiveram muita adesão pelo País todo, sobretudo dos jovens, evidenciando que os resultados eleitorais são, de facto, fraudulentos.
Para fazer face à grande contestação, o regime utiliza a sua capacidade de controlo sobre as instituições do Estado, para reprimir as manifestações, mas também para distorcer a narrativa da revolução.
Historicamente, a Frelimo sempre buscou formas de neutralizar e enfraquecer a oposição, seja por meios legais ou ilegais, seja pela coerção, manipulação de informações ou pela criação de um ambiente político hostil. Durante a guerra civil de 16 anos, entre a Frelimo e a RENAMO, Bueno (2019)[ii] afirma que a RENAMO foi representada como um grupo de “bandidos” que visava destruir o Estado.
A estratégia usada durante a guerra dos 16 anos parece ser a mesma utilizada hoje, em 2024, com o regime a tentar difundir uma reinterpretação de eventos históricos e sociais, transformando qualquer movimento de resistência ou revolução em “actos de vandalismo ou de “golpe de Estado”. Dessa forma, o regime tenta associar qualquer tentativa de mudança a destruição e caos, criando um contraste entre a ordem do passado, a situação anterior à revolução e o presente, marcado pela instabilidade e pela violência, associadas à mudança.
Entretanto, é em TSEBELIS, George. Jogos ocultos: escolha racional no campo da política comparada. São Paulo: Edusp, 1998, que é fundamental entender que os actos de vandalismo que ocorrem em Moçambique não representam a raiz do problema, mas sim um reflexo de um Estado falido. Desde a fundação, o Estado moçambicano foi capturado pelo sistema, que falhou em criar um sistema educacional eficaz, em disciplinar a sociedade civil, e, principalmente, em proporcionar condições dignas de vida para a população. No final do dia, aos actos de vandalismos vivenciados com o escalar das manifestações, representam a discriminação de um grupo que foi marginalizado pelo Estado, ao não os incluir, na planificação de políticas inclusivas.
Neste momento, a Frelimo, ou uma ala do partido, percebe que o fundamento dos protestos é relacionado ao nível de pobreza extrema, resultado de décadas de má governação, corrupção e falta de políticas públicas eficazes. No entanto, para a Frelimo, sair do poder não é uma opção viável, sobretudo porque grande parte dos membros do partido, especialmente a da elite política, controla grandes negócios que não foram concebidos de forma transparente e só os mantêm graças ao controlo do Estado.
Em Agosto de 2023, o Centro de Integridade Pública (CIP), publicou um estudo[iii] que revelou que muitos ministros, ex-ministros e antigos combatentes da Frelimo detêm concessões mineiras, onde, para consolidar a sua presença no sector, muitos desses indivíduos se aliam a novos sócios, criando sociedades comerciais ou grupos empresariais, sem que sejam vistos como os verdadeiros beneficiários efectivos. Portanto, pensando e avaliando os eventos políticos com as lentes dos “jogos ocultos” de Tsebeli, pode-se firmar que há jogos ocultos em Moçambique, há uma desconexão entre o que é mostrado ao público e o que realmente acontece nos bastidores da arena política. Existem “movimentos” no jogo que não são visíveis para todos. Há quem se beneficia da narrativa de vandalismo, para branquear décadas de uma governação que só beneficiou elites minoritárias e jogou a maioria para a pobreza e desespero. (LM)
[i] TSEBELIS, George. Jogos ocultos: escolha racional no campo da política comparada. São Paulo: Edusp, 1998.
[ii] Bueno, Natália. “Reconciliation in Mozambique: Was it Ever Achieved?” Conflict, Security & Development 19 (5): 427–452. https://doi.org/10.1080/14678802.2019.1663037. 2019
[iii] Bande, Aldemiro. Falta de Lei Propicia Corrupção no Sector Extrativo e no Proceramente Publico. Procurement Público e Parcerias Público-Privadas 3. https://www.cipmoz.org/wp-content/uploads/2023/08/Beneficiarios-Efectivos-CIP.pdf 2023