Por Hilário Chacate, Docente de Relações Internacionais
Maputo (MOZTIMES) – No dia 15 de Janeiro de 2025, o país e o mundo vão parar para assistir à investidura do 5º presidente de Moçambique, eleito através do sufrágio universal. Era expectável que este momento fosse registado nos anais da história de Moçambique com tinta indelével como um dos mais marcantes para o país e para o triunfo da democracia multipartidária. Contudo, se a história não for branqueada e um dia for bem contada às próximas gerações, com alguma honestidade e lisura, esta data poderá guardar as mais tristes e dolorosas memorias no percurso da construção e consolidação da democracia multipartidária em Moçambique.
A tomada de posse do primeiro mandato (2025-2030) de Daniel Chapo será, sempre, associada ao processo eleitoral mais contestado e conturbado de toda a história da democracia multipartidária moçambicana. Um processo que os observadores nacionais e estrangeiros consideraram como sendo o mais fraudulento e violento de todos os tempos, em Moçambique. As eleições foram objecto de acesas discussões pelas piores razões, em vários fóruns internacionais. Destaque para os estados membros da SADC, da União Europeias e do parlamento português, só para citar alguns exemplos. Moçambique foi exposto em asta pública mundial pelas piores razões: como um país caracterizado pela violência e pelo autoritarismo político, pela brutalidade das autoridades policias contra manifestações (que infelizmente, nem sempre foram pacíficas) e pelo vandalismo, saque e destruição de bens públicos e privados. Esta fotografia não abona em nada o bom nome de Moçambique e dos moçambicanos. e transmite um cenário de caos, desordem e insegurança ao extremo para os potenciais investidores, e não só.
Chapo herda um país caracterizado por desafios jamais experimentados por nenhum dos seus antecessores. Por isso, precisará de ser um verdadeiro génio e de se auto superar para alterar o cenário de impopularidade que ele e o seu partido atravessam e que foi a principal causa de protestos violentos no período pós-eleitoral. Samora, por exemplo, recebeu uma nação com um tecido económico completamente sabotado e destruído pelo colono. Um cenário que se caracterizava pela fuga de cérebros, pela sabotagem do tecido fabril e do know how relativo à exploração dos recursos naturais com elevado valor estratégico no mercado internacional. Com o seu carisma e com a sua capacidade discursiva sem igual, conseguiu criar utopias e galvanizar as massas para iniciarem com o processo de construção do Estado-Nação que temos hoje, baseado em coesão e unidade nacional.
Chissano encontrou um país mergulhado em uma guerra sangrenta que durou 16 anos. Em 1992 conseguiu negociar a paz com a Renamo e liderar o processo de transição de um sistema monopartidário para multipartidário. Volvidos 10 anos conseguiu deixar para Guebuza um país com condições necessárias para se desenvolver, o que, para além de ter-lhe permitido impulsionar a construção de infraestruturas com impacto significativo na dinâmica económica, ajudou-lhe a elevar Moçambique aos patamares de crescimento económico jamais visto, de cerca de 7.5% com expectativas de duplicar-se com o passar do tempo.
Nyusi, por seu turno, recebeu de Guebuza um país em uma verdadeira vibração económica. O país estava imparável. Havia infraestruturas novas em tudo que era lugar. Os indicadores económicos eram impressionantes e animadores. O distrito era tido como o polo de desenvolvimento, a paisagem urbana apresentava um ambiente de competição no que diz respeito à construção de novos edifícios; o câmbio entre o dólar e o metical (25 a 30 meticais) estava bastante equilibrado e era encorajador.
Volvidos 10 anos após a governação de Nyusi, Chapo herda um país a cair aos pedaços. Um país sem vias de acesso, sem nenhuma estrada que o conecta do Rovuma ao Maputo, com a linda paisagem urbana deixada pelo Presidente Guebuza completamente definhada e aos escombros. O mais critico, ainda, é que os antecessores de Chapo, incluindo Nyusi, chegaram ao poder com uma elevada doze de legitimidade, autoridade e poder. Estes elementos que a Frelimo e o novo incumbente da ponta vermelha já não os têm.
A Frelimo está a atravessar uma profunda crise de legitimidade, autoridade e poder. Evidências deste ambiente conturbado para o partido no poder são vários. Em diferentes locais em Moçambique, com destaque para Marracuene, Mulotane, Pessene e Boane, só para citar alguns exemplos, os populares vão invadindo e dividindo entre eles propriedade alheias, algumas até com demarcações e vedações feitas, sinais de que os seus proprietários detêm o Direito de Uso e Aproveitamento (DUAT) dessas Terras .O Estado, simplesmente, não tem conseguido, por enquanto, parar esta onda.
O saque dos centros comerciais, armazéns privados, com o Estado a não conseguir impedir este cenário; as movimentações das populações para negociar os termos de responsabilidade social das multinacionais, como Mozal, Sasol e Kenmare, só para citar algumas, demonstram que o partido no poder atravessa uma profunda crise de legitimidade, autoridade e poder.
Assim, para que Chapo consiga governar com algum sucesso terá que ser capaz de conquistar alguma legitimidade popular. Terá de recuperar a autoridade e o poder perdidos pelo governo que o antecede, num contexto em que se ouvem vozes de jovens, mulheres e homens cantando “Frelimo não vai governar!”, ou “Chapo saia queremos te ver e te saudar!”. Daniel Chapo terá que ser um verdadeiro génio para conseguir este feito. As pessoas terão enormes dificuldades de dissociá-lo ao governo de Nyusi.
Guebuza e Nyusi tiveram que, estrategicamente, tomar medidas bastante ousadas para se dissociar dos seus antecessores. Guebuza optou por ruptura com Chissano e por rotulá-lo, ainda no período de campanha eleitoral, de “deixa andar”. Nyusi permitiu que um dos filhos de Guebuza e algumas das figuras a si ligadas fossem levadas a barra do tribunal, dentre várias outras medidas que tomou para se distanciar do seu antecessor. Adoptará Chapo a mesma postura como um dos mecanismos de conquista de legitimidade? A ver vamos.
Chapo herda um país em que todos choram e ninguém tem razão. Um país profundamente polarizado e com uma percepção de privação relativa e de frustração e agressão nunca vistos. Os moçambicanos destilam ódio e mágoa uns contra os outros, sobretudo contra os militantes do partido no poder. Acham que a sua desgraça e miséria é resultado do sucesso dos outros. Durante as manifestações, alguns perderam os seus entes queridos e os seus investimentos e, entretanto, devem continuar a pagar dívidas que contraíram com os bancos para iniciarem os seus negócios. Do nada tudo se esfumou.
Para além de uma sociedade profundamente fracturada, Chapo terá que ter um QI bastante elevado para lidar com os “fantasmas” da dita verdade eleitoral, com Venâncio Mondlane e os seus seguidores assombrando a sua governação. Sem resolver estes pendentes, a sua governação poderá ser um verdadeiro fracasso. (HC)