– Protestos continuam cada vez mais violentos. As partes estão a extremar as posições, reduzindo as possibilidades de negociações
– Venâncio Mondlane anuncia que vai sair do esconderijo para se juntar à marcha sobre Maputo na próxima quinta-feira
Por Noémia Mendes, Aurélio Muianga e Stévio Martins
Maputo (MOZTIMES) – A terceira fase de protestos populares contra os resultados eleitorais em Moçambique está a ser devastadora. Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar e a Polícia respondeu com violência, baleando dezenas de protestantes desarmados. Até este domingo, havia registo de pelo menos duas mortes por boleamentos e dezenas de feridos. A cidade de Maputo, principal epicentro das manifestações, está sitiada, com forças policiais fortemente armadas destacadas para as ruas.
Em retaliação, os manifestantes queimaram pelo menos quatro sedes do partido no poder FRELIMO e casas de agentes da Polícia, segundo dados divulgados pelo Centro de Integridade Pública, organização que tem observadores eleitorais em todo o país.
As províncias de Maputo, Nampula e Zambézia são as mais afectadas pelos protestos, mas houve, também, marchas pacíficas da diáspora moçambicana, em Lisboa e Londres. A actual fase de manifestações deverá continuar até à próxima quinta-feira, dia em que o líder da oposição diz que a população deve marchar sobre a capital Maputo para tomar o poder à força.
Os protestos estão a gerar danos severos à economia de Moçambique, um dos países mais pobres do mundo. Durante uma conferência de imprensa realizada em Maputo, a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) estimou em cerca de 47 milhões de dólares as perdas económicas causadas pelas manifestações, até ao dia 30 de Outubro.
A circulação nas principais estradas do país está condicionada, sobretudo na capital Maputo. O corredor de Maputo, que liga o porto de Maputo à vizinha África do Sul, foi severamente afectado pelos protestos, forçando a redução da circulação de camiões de carga de e para o porto. O Governo diz que se os protestos continuarem o crescimento económico do país será comprometido.
Numa conferência de imprensa conjunta, na semana passada, quatro partidos da oposição, o PODEMOS, que foi declarado o segundo mais votado pela Comissão Nacional de Eleições, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), com assentos parlamentares e os extraparlamentares partido Ecologista e Nova Democracia, declararam a “rejeição aos resultados eleitorais” devido à “violação da Lei Eleitoral e aos ilícitos eleitorais”.
O representante do PODEMOS, Dinis Tivane, referiu que houve casos de “enchimento de urnas e de adulteração das actas e editais para beneficiar o partido FRELIMO e o seu candidato presidencial, Daniel Chapo”.
Organizações de observação eleitoral domésticas e internacionais reportarem casos de fraude. Destaque para a Missão de Observação da União Europeia em Moçambique que referiu ter observado casos de enchimento de urnas.
Extremar de posições
Organizações locais e internacionais, de entre elas a Igreja Católica, o bloco regional da Comunidade Para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), a União Africana e as Nações Unidas, apelam para diálogo e para o fim da violência pós-eleitoral. No entanto, as partes mostram o extremar de posições.
Venâncio Mondlane anuncia que irá sair do esconderijo e regressar a Moçambique para se juntar à marcha sobre Maputo na quinta-feira 7 de Novembro, para tomar o poder através da revolução.
“Logo na quinta-feira pela manhã estarei na cidade de Maputo a marchar com milhões de moçambicanos para pormos fim aos 49 anos da ditadura da FRELIMO”, Mondlane disse em transmissão live do Facebook esta sexta-feira.
A Polícia anunciou a abertura de um processo-crime contra Mondlane, acusando-o de incitar a violência e de autoria moral das manifestações populares ilegais. Assim, caso Mondlane regresse a Maputo poderá ser detido para responder pelos crimes de que é acusado.
O pesquisador e Professor de Ciência Política na Universidade Eduardo Mondlane em Maputo, José Jaime Macuane, entende que o anúncio da abertura de um processo crime contra Mondlane pode ser uma estratégia do Governo de fazer pressão contra Mondlane de modo a aceitar negociações políticas.
“Naturalmente, se ele (Mondlane) está fora e retornando ao país, esse processo criminal segue seu curso. E é necessário ver se isso envolve ele ser eventualmente, detido ou não. Tudo isso constitui uma pressão seja como uma escalada nesse conflito, ou como uma estratégia política para aumentar elementos para a negociação”, disse Macuane em entrevista.
“Abrir um processo criminal cria uma certa ascendência que o governo tem em relação ao candidato Venâncio Mondlane, implica que Venâncio Mondlane pode fazer concessões que não teria que fazer, se não houvesse um processo criminal contra ele”, acrescentou.
O analista político Fernando Lima entende que “abrir um processo-crime contra Mondlane é um erro político pois não ajudará a resolver as tensões que Moçambique está a enfrentar”.
“As causas das tensões que estamos a viver são a percepção de que houve fraude eleitoral. E esta não é uma percepção só do Venâncio. É a percepção de várias outras pessoas”, disse Lima em entrevista.
Para acabar com a crise pós-eleitoral, Lima defende que o Governo deve esclarecer as acusações de fraude eleitoral, divulgando os editais e as actas de resultados eleitorais obtidos nas urnas.
A divulgação de editais recomendada por várias outras organizações, incluindo a missão de observação eleitoral da União Europeia, não teve acolhimento pelos órgãos eleitorais, pelo menos até agora. (NM/AM/SM)