Por MOZTIMES
Maputo (MOZTIMES) – O Presidente Daniel Chapo afirmou na quarta-feira, 26 de Fevereiro, durante um desfile militar no Teatro Operacional Especial em Afungi, na província de Cabo Delgado, que “desde 1994, sempre que terminam as eleições, há desestabilização (…) e morrem as nossas populações, fazem vandalizações, roubam, pilham e, ao mesmo tempo, destroem bens públicos e privados”.
O discurso de Chapo foi proferido durante a sua visita de trabalho a Cabo Delgado, onde mobilizou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) para combater os protestos populares violentos com a mesma intensidade com que combatem o terrorismo.
Dirigindo-se aos militares e aos membros das unidades especiais da polícia destacados em Afungi para proteger os projectos de exploração de gás, Chapo começou por afirmar: “A missão que temos é, sem dúvida, garantir e continuar a defender a nossa pátria, começando pela defesa da nossa independência nacional, conquistada através da Luta de Libertação Nacional, que durou 10 anos.”
“É por isso que estamos aqui – para dizer que devemos continuar a defender a nossa independência nacional, a nossa soberania e, acima de tudo, a nossa integridade territorial”, declarou.
Chapo destacou então as ameaças à independência nacional que as FDS devem enfrentar.
“Neste momento, temos ameaças a nível do nosso país, que são praticamente quatro. A primeira ameaça é esta, que está a acontecer a nível do Teatro Operacional Norte, o terrorismo, que vocês sabem muito bem que aparece depois de termos estado durante 16 anos numa luta contra a desestabilização”.
“Alcançamos a paz através de um acordo, a 4 de outubro de 1992. Começamos com as eleições em 1994, mas desde 1994, sempre que terminam as eleições, há desestabilização. E nestas desestabilizações, morrem as nossas populações, fazem vandalizações, roubam, pilham e, ao mesmo tempo, destroem bens públicos e privados. Desde 1994!”
“Mas filhos desta pátria, como vocês que estão aqui, sempre souberam defender a manutenção da nossa independência, da nossa pátria e, sobretudo, da nossa integridade territorial. Foram 30 anos e continuam a ser 30 anos de democracia multipartidária”, afirmou.
No seu discurso, Daniel Chapo voltou a equiparar os protestos violentos de jovens desarmados, insatisfeitos com a governação da Frelimo, aos ataques terroristas em Cabo Delgado, perpetrados por insurgentes armados que matam e decapitam civis, com o apoio da maior organização terrorista do mundo, o Estado Islâmico.
Chapo afirmou que as FDS devem combater os protestos em massa com a mesma força utilizada contra o terrorismo. Se tal acontecesse, constituiria um uso desproporcional da força, algo inaceitável em democracias.
No entanto, para além dessa comparação, Chapo cometeu erros factuais no seu discurso ao afirmar que “desde 1994, sempre que terminam as eleições, há desestabilização.”
Após as eleições de 1994 – as primeiras eleições multipartidárias em Moçambique – não houve desestabilização, muito menos perda de vidas civis. Afonso Dhlakama, então presidente do ex-movimento rebelde Renamo e candidato presidencial derrotado pelo candidato da Frelimo, Joaquim Chissano, contestou os resultados eleitorais, alegando fraude.
Contudo, o chefe da missão das Nações Unidas em Moçambique, Aldo Ajello, descreveu as eleições de 1994 como “as melhores já realizadas em África”, e a sua avaliação positiva foi partilhada pela maioria dos observadores. Ajello e outros diplomatas persuadiram Dhlakama a aceitar os resultados, levando a Renamo a ocupar os seus assentos no parlamento, sem regressar à guerra. Não houve desestabilização nem perda de vidas em consequência da disputa eleitoral.
Após as eleições de 1999, apoiantes da Renamo realizaram protestos contestando os resultados eleitorais, o que levou a confrontos com a polícia e resultou em fatalidades. Um dos incidentes mais marcantes foi a morte de dezenas de membros da Renamo, asfixiados dentro de celas policiais em Montepuez, Cabo Delgado, em Novembro de 2000. As vítimas tinham sido detidas durante manifestações violentas exigindo a recontagem dos votos.
Em 2004, durante as eleições que levaram à substituição de Joaquim Chissano por Armando Guebuza como Presidente da República, não houve desestabilização pós-eleitoral, nem vandalismo ou mortes de civis.
O primeiro grande conflito pós-eleitoral em Moçambique ocorreu após as eleições de 2009, em que Armando Guebuza foi reeleito para um segundo mandato. Nessas eleições, a Renamo teve o seu pior resultado até então, conseguindo apenas 49 assentos na Assembleia da República.
Dhlakama retirou-se de Maputo, mudando-se primeiro para Nampula. Depois de ser atacado por membros da Unidade de Intervenção Rápida (a polícia antimotim moçambicana) em Nampula, fugiu para as montanhas da Gorongosa. A partir daí, em 2013 – um ano antes das eleições gerais de 2014 – lançou ataques armados contra alvos civis e militares ao longo da principal estrada norte-sul (Estrada Nacional Número 1), com maior incidência na província de Sofala. Os ataques depois alastraram-se a outras províncias, incluindo Tete, Nampula, Manica e Inhambane.
O conflito terminou com a assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades em 2014, permitindo a realização das eleições gerais daquele ano, em que Filipe Nyusi foi eleito sucessor de Guebuza.
Após as eleições de 2014, um novo conflito pós-eleitoral eclodiu, iniciado por Dhlakama, que recusou reconhecer os resultados. Os ataques armados contra alvos civis e militares foram retomados, concentrando-se em Sofala e Manica. O conflito só terminou com a assinatura do Acordo de Paz de Maputo entre Filipe Nyusi e Ossufo Momade, em 2019, após a morte de Dhlakama.
Nas eleições de 2019, surgiu um novo conflito sob a liderança de Mariano Nhongo, um comandante militar leal a Afonso Dhlakama. Embora Nhongo contestasse a liderança de Ossufo Momade na Renamo, o conflito teve motivações eleitorais, uma vez que Nhongo não reconhecia Momade como o legítimo candidato da Renamo às eleições presidenciais de 2019, alegando que ele teria sido “comprado” pela Frelimo.
Os protestos em massa contra os resultados eleitorais, sem liderança militar, começaram em 2023, em resposta aos resultados das eleições autárquicas daquele ano. Estes protestos intensificaram-se e prolongaram-se após as eleições gerais de 2024, nas quais Daniel Chapo foi eleito Presidente da República, sucedendo a Filipe Nyusi.
Portanto, é factualmente incorrecto afirmar que “desde 1994, sempre que terminam as eleições, há desestabilização (…) e morrem as nossas populações, fazem vandalizações, roubam, pilham e, ao mesmo tempo, destroem bens públicos e privados”.
Mesmo que a declaração de Chapo se referisse apenas às eleições gerais (presidenciais e legislativas), excluindo as autárquicas, é importante notar que não houve conflitos pós-eleitorais com mortes de civis ou vandalismo após as eleições de 1994 e 2004. (MT)