Por Hilário Chacate, Docente de Relações Internacionais
Maputo (MOZTIMES) – A batalha dos titãs que disputam a razão eleitoral, no âmbito das eleições gerais e provinciais de 09 de Outubro, em Moçambique, continua sendo um dos temas que alimentam debates e maior interesse, quer a nível nacional, quer no domínio internacional. É que, para além de terem sido as eleições mais vigiadas de todos os tempos, desde que o país abraçou o sufrágio universal em 1994, são consideradas as mais contestadas de todo o percurso histórico eleitoral moçambicano.
Apesar das diferenças de proveniência e de interesses por de trás de milhares de observadores e jornalistas nacionais e estrangeiros que acompanharam de perto este processo, existe um consenso entre eles, de que o processo eleitoral foi profundamente manchado por ilícitos e irregularidades eleitorais. Este quadro criou uma percepção generalizada de que os resultados destas eleições podem ter sido altamente viciados.
Para tornar as coisas mais tensas, o candidato às presidenciais, Venâncio Mondlane, apoiado pelo partido PODEMOS, um dia após a votação e enquanto ainda decorria a contagem parcial dos votos, decidiu autoproclamar-se vencedor deste escrutínio, com cerca de 65% dos votos, com base em alegados resultados da contagem paralela realizada pelo seu partido. Mais tarde, Modlane reajustou a sua “vitória” para 53%, desta vez alegando que havia contabilizado 70% dos editais de apuramento parcial realizado nas assembleias de voto.
Apesar de Mondlane se ter autoproclamado vencedor das eleições de 09 de Outubro, ainda com uma percentagem marginal de votos contabilizados e gozar de uma inquestionável legitimidade popular, nos calculos da CNE, o verdadeiro vencedor deste pleito eleitoral, foi a Frelimo e o seu candidato, Daniel Chapo, com uma percentagem acima de 70%.
Mediante o anúncio da CNE, recorrendo à sua capacidade de mobilização de mentes e corações, através das redes sociais e outras plataformas de comunicação social, bem como do seu poder discursivo,Venâncio Mondlane tem estado a convencer uma franja significativa da opinião pública nacional e internacional de que ele é o verdadeiro vencedor das eleições realizadas em Outubro último. Alias, não é segredo para ninguém que há vários moçambicanos a legitimarem Mondlane como presidente, consagrando-lhe atributos tais como: o presidente, supremo líder, pai grande, presidente do povo, dentre outros.
O jornal Canal de Moçambique escreveu, numa das suas manchetes, que Venâncio Mondlane desliga e liga o país quando quer, através do seu celular. É que, desde dia 21 de Outubro, Mondlane tem estado a decidir, através das suas concorridas lives nas redes socias, quando é que a economia deve funcionar, as pessoas e vários meios circulantes devem circular, dentre vários outros detalhes do país e até da região. Não é preciso ser um grande cientista social para perceber que o país, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico, tem funcionado ao gosto e ao prazer de Venâncio Mondlane.
Mediante este quadro caracterizado por manifestações que contestam os resultados eleitorais, a Frelimo veio a público, através da porta-voz da sua Comissão Política, Alcinda Abreu, reiterar que é o legitimo vencedor deste pleito eleitoral. Abreu deixou claro que o seu partido venceu, de uma forma estrondosa, com mais de 70% de votos e que não abriria mão da sua vitória. A Frelimo tem estado a ater-se ao legalismo institucional, para revindicar a sua vitória e apelar para que se aguarde serenamente pela proclamação e validação dos resultados eleitorais pelo Conselho Constitucional (CC). Paradoxalmente, a mesma Frelimo que apela à serenidade de todos e à espera pela proclamação e validação do CC, em tom irónico, já celebrou a vitória com a famosa música entoada num momento crítico pelo Presidente do seu Partido, Filipe Nyusi, quando cantou: “Chapo Presidente, doa a quem doer”. Ademais, alguns amigos leias da Frelimo já enviaram delegações para saudar e felicitar Daniel Chapo pela vitória. São os casos do Partido Comunista da China e do MPLA, de Angola, só para citar alguns.
Um dos grandes dilemas destas eleições é que a Frelimo e o PODEMOS podem dizer tudo quanto quiserem; contudo, ambos, não têm como provar, com evidências inquestionáveis, que venceram esta corrida eleitoral. Torna-se mais grave, ainda, porque a instituição que administra os processos eleitorais (CNE) e que anunciou os resultados aceites por uns e contestados por outros, não consegue apresentar as actas e editais originais que serviram de base para produzir os resultados por esta anunciados, no dia 24 de Outubro.
Ainda sobre os resultados anunciados pela CNE, Fernando Mazanga, Vice-Presidente desta, afirmou numa entrevista que concedeu à DW que, pela forma como o processo decorreu, não estaria em condições, absolutamente nenhumas, de dizer quem é o vencedor deste escrutínio e ninguém está em condições de o fazer. Mazanga terminou a sua entrevista sentenciando que os resultados proclamados pelo Presidente da CNE, eram falsos.
No meio a tudo isto, há um detalhe que chama a atenção: é o facto de que Venâncio Mondlane e o partido que suporta a sua candidatura, assim como vários segmentos que apoiam a sua causa acreditarem na justiça eleitoral e exigirem a recontagem de votos, como a única forma de repor a verdade. A questão que não quer e nem deve calar é: recontar votos, quais votos? Existem votos por serem recontados, neste quadro eleitoral acima descrito?
Nos termos da lei, a CNE devia ter armazenado todos os boletins de votos de pouco mais de 7 milhões de eleitores que votaram no dia 9 de Outubro, bem como os editais e as actas de apuramento a vários níveis, desde o parcial (na mesa) até ao geral. Mas, sendo-se realista, sabe-se que não existem votos e nem editais e actas fiáveis para se contar.
Vários grupos de obervação eleitoral e reportagens jornalísticas indicaram que, para além de enchimentos de urnas, várias actas e editais depareceram, outros foram assinados por uma única pessoa, para além dos que podem ter sido falsificados. Neste rebolíço todo, haverá, mesmo, possibilidade de se reconstruir a verdade eleitoral? A resposta é clara: não há votos nenhuns por serem recontados e, muito menos, elementos para a reposição da verdade eleitoral.
Mediante este quadro que coloca em cheque os resultados anunciados pela CNE e sem possibilidade nenhuma de se reconstruir a verdade eleitoral, através de actas e editais originais, por estes não existirem, na sua totalidade, o CC encontra-se numa verdadeira encruzilhada ou dilema.
Caso o CC venha proclamar e validar os resultados anunciados pela CNE, estará a ser cumplice desta instituição, que provou não ter produzido os resultados por si anunciados na base de dados fiáveis e possíveis de serem confirmados, por um lado. Por outro, se não o fizer, seria obrigado a anular e mandar repetir as eleições. Caso esta última hipótese se confirmasse – o que me parece improvável – seria imperioso que uma nova CNE fosse constituída para organizar as novas eleições, de modo a conferir mais credibilidade ao processo.
Para além da CNE estar completamente desacreditada, a anulação de eleições, não seria financeiramente sustentável, num contexto em que Mazanga, vice presidente da CNE, afirmou que, até aqui, o Estado ainda não conseguiu pagar um centavo, sequer, do material usado para o último processo de votação e ainda tem contas por liquidar, referemte às eleições autarquicas de 2023.
Lamentavelmente, parece não haver muitas alternativas para o CC sair limpo deste imbróglio, se não recorrer à mesma formula polémica e pouco consensual aplicada nas eleições autarquicas de 2023, de reduzir o número de assentos parlamentares e provinciais atribuídos ao partido Frelimo pela CNE e redistribuir por alguns partidos da oposição e, desta forma, serenar os animos. A questão é se isso irá acalmar a actual tensão pós-eleitoral, que já custou dezenas de vidas, destruição de infraestruturas, irreparáveis danos económicos e sociais, dentre outros.
Seja como for, o governo que for a sair destas eleições, seja da Frelimo, seja do PODEMOS, ou qualquer outra força política, é pertinente que tome a iniciativa de dialogar e negociar com os demais candidatos e partidos que participaram deste processo eleitoral, por forma a criar-se um Governo de Unidade Nacional, com garantias de reformar as instituições eleitorais. Deste modo, se recuperaria a credibilidade das instituições e se garantiria que as mesmas venham a organizar eleições justas, livres e credíveis, nos próximos tempos.
É importante que haja pragmatismo, quer por parte de Chapo, assim como de Venâncio, por forma a garantirem a pacificação do País e a reconciliação entre os vários moçambicanos que se encontram magoados, angustiados e, até, frustrados pela forma como este processo decorreu. (HC)