“A minha juventude acabou aqui. Depois de tanto trabalhar, fomos descartados como se nada fôssemos”, lamenta André Chissico
Por Noémia Mendes
Maputo (MOZTIMES) – Todas as terças-feiras de manhã, a entrada do Alto Comissariado (embaixada) do Reino Unido em Maputo é ocupada por cerca de 100 antigos trabalhadores que exigem o pagamento de indemnizações, subsídios, horas extras e contribuições para a Segurança Social. O protesto persistente foi iniciado em Março de 2024, é a mais recente expressão de uma luta que já dura 20 anos.
Os manifestantes, que se reúnem logo ao amanhecer em frente ao edifício da Embaixada, simbolizam uma resiliência impressionante. “Não temos escolha. Estamos aqui todos os dias, porque acreditamos que a nossa presença constante pode finalmente nos trazer justiça”, explica Miguel Nhatave, coordenador do grupo.
O conflito começou em 2004, quando a Embaixada Britânica rescindiu os contratos dos funcionários de segurança, transferindo-os para a empresa Wackenhut Moçambique (atualmente G4S). No entanto, os trabalhadores alegam que continuaram a prestar serviços para a Embaixada, apenas com uma mudança de uniforme, mas sem garantias contratuais ou direitos trabalhistas.
“Na prática, continuávamos a trabalhar para a Embaixada. Apenas mudaram o nome e o uniforme, mas os nossos direitos desapareceram”, relata Nhatave.
Em 2005, os ex-trabalhadores entraram com uma acção judicial para exigir o pagamento dos seus direitos. Apesar de duas decisões favoráveis de um tribunal de Maputo, (em 2005 e 2009), a o Alto Comissariado Britânico recorreu e, segundo os manifestantes, utilizou estratégias legais para protelar o caso.
“Prometeram pagar um milhão de dólares aos trabalhadores, mas era uma promessa vazia. Até hoje, nada foi feito”, denuncia António Relógio, que participou do processo desde o início.
Em 2017, o tribunal ordenou novamente o pagamento, mas os ex-colaboradores afirmam que, até o momento, a decisão permanece sem execução.
Os manifestantes destacam que a sua luta não se limita às manhãs em frente à Embaixada. Muitos enfrentam dificuldades extremas nas suas vidas pessoais. Alguns morreram sem ver o cumprimento da justiça, enquanto outros lidam com problemas de saúde e pobreza.
“O governo não nos ajuda. Estamos abandonados. Trabalhámos por décadas e agora somos tratados como se não tivéssemos valor”, desabafa Relógio.
André Chissico, que dedicou 28 anos à segurança na casa do embaixador, reforça o impacto pessoal: “A minha juventude foi sacrificada aqui. É uma dor imensa ser descartado depois de tanto esforço.”
A posição da Embaixada
Procurada para esclarecimentos, a porta-voz do Alto Comissariado Britânico em Maputo, informou que o caso ainda está em resolução e, portanto, não poderia ser comentado no momento.
Os manifestantes afirmam que continuarão a protestar até que os seus direitos sejam respeitados. “Estamos aqui todos os dias, porque sabemos que, se desistirmos, perderemos tudo”, conclui Nhatave.
Com mais de um milhão de dólares em disputa, o caso representa não apenas uma luta judicial, mas também um símbolo de perseverança em meio a uma batalha desigual por justiça e dignidade. (NM)