– Venâncio Mondlane discursou para centenas de milhares a partir de um esconderijo
– Manifestantes tomaram conta da capital Maputo após o anúncio de resultados eleitorais, forçando ao encerramento de várias estradas, incluindo a EN4 que liga à maior fronteira terrestre com a África do Sul
Por Sheila Nhancale
Maputo (MOZ TIMES) – A violência pós-eleitoral em Moçambique aumentou com o anúncio dos resultados das eleições de 9 de Outubro que confirmam a vitória da FRELIMO e do seu candidato presidencial, Daniel Chapo, com números muito expressivos.
Milhares de pessoas, sobretudo jovens dos bairros periféricos da capital Maputo, saíram à rua para se manifestarem contra os resultados que acabavam de ser anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE). A Polícia foi chamada a repelir as manifestações, mas não conseguiu conter a fúria popular.
As manifestações continuaram pela noite adentro, com vários focos. Imagens de queima de pneus nas estradas, remoção e destruição de bandeiras do partido no poder, FRELIMO, ataques a viaturas que circulavam pelas ruas tornaram-se virais nas redes sociais. A principal fronteira entre Moçambique e África do Sul foi forçada a encerrar temporariamente devido à violência na vila de Ressano Garcia, confirmou um oficial da Migração ali afecto.
Ainda não houve balanço das manifestações, mas há registo de muitos bens públicos e privados destruídos pelos manifestantes, apesar dos apelos feitos por Mondlane para não destruir e nem saquear lojas.
A manifestação foi convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, cujos resultados eleitorais oficiais lhe conferem a posição de segundo mais votado, com cerca de 20% dos votos a nível nacional. No entanto, Mondlane rejeita os resultados com o fundamento de que houve fraude eleitoral.
Grupos de observadores eleitorais domésticos e internacionais confirmam a ocorrência de casos de fraude eleitoral. A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia referiu-se especificamente a casos de enchimento de urnas que os seus observadores testemunharam em seis das 11 províncias de Moçambique.
Discurso para centenas de milhares a partir do esconderijo
Mondlane fez o seu primeiro discurso, após o anúncio dos resultados oficiais das eleições, na noite desta quinta-feira. Rejeitou os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições e chamou os seus apoiantes para continuarem com as “manifestações de repúdio à fraude eleitoral”. O discurso foi visto por mais de 100 mil pessoas em directo e em quatro horas tinha sido assistido por mais de um milhão de pessoas.
Mondlane introduziu o seu discurso afirmando que está num esconderijo, pois a sua vida está em perigo. E, de seguida, disse que rejeita os resultados apresentados pela Comissão Nacional de Eleições pois “são absurdamente falsos, adulterados, e não refletem a vontade do povo”.
Posto isso, Mondlane apelou aos seus apoiantes para intensificarem as manifestações. Explicou que todas as revoluções implicam consentir sacrifícios. Comparou as manifestações populares dos seus apoiantes com a Luta de Libertação Nacional iniciada pela FRELIMO, na década de 1960, e a guerra civil iniciada pela RENAMO, após a independência de Moçambique.
“Agora vamos intensificar cada vez mais as manifestações. Amanhã vamos intensificar ainda mais. Os bairros que não saíram hoje, que saiam todos para a rua. Vamos sair com cartazes, vamos para a rua, todas as ruas, todos os bairros, todos os distritos, todas as capitais provinciais”, Mondlane disse enquanto recebia apoio dos internautas.
As manifestações desta quinta-feira iniciaram nos bairros periféricos, sem um ponto específico de concentração. Mondlane disse que esta é uma estratégia que deve continuar para evitar a repressão policial. Ainda deu ordens para que os seus apoiantes se possam defender dos ataques da Polícia, chamando isso de “legítima defesa”.
Mondlane ameaçou ainda levar ao Tribunal Penal Internacional as pessoas que dão ordens para a Polícia atirar balas reais contra os manifestantes, ao mesmo tempo que apelou aos agentes da Polícia para não cumprir com ordens iligais de violentar e matar os manifestantes.
“Amanhã (sexta-feira) vamos completar a nossa segunda etapa, vamos ver se no sábado paramos para dar uma pausa, para depois anunciarmos a terceira etapa, caso o governo da FRELIMO não queira ceder à verdade, não queira reconhecer que está a cometer crimes contra o povo, que roubou ao povo, não queira reconhecer que deve fazer a vontade do povo”, afirmou.
Diálogo condicionado
No entanto, apesar do discurso duro, o líder da oposição disse estar disponível para o diálogo com a FRELIMO para acabar com a violência pós-eleitoral, mas colocou como condição a “reposição da vontade popular”.
“Nós estamos abertos a dialogar. É por isso que quando nós tivemos resultados verdadeiros, eu disse que tinha constituído uma Comissão, que era a comissão de transição governativa, que era para falar com o regime do partido FRELIMO, para nós começarmos a ver como é que íamos fazer a transição do poder de forma pacífica. Estamos disponíveis a sentar numa mesa de negociações”, afirmou.
“Mas nós temos várias linhas vermelhas neste diálogo. Uma das questões que nós queremos, a questão fundamental, é que queremos a reposição da vontade popular. Nós estamos a fazer todo o tipo de sacrifícios por causa do nosso povo, que está a sofrer, por causa do nosso povo, que está a clamar que foi roubado, por causa do nosso povo, que está a clamar, a dizer que nós não votámos nesse partido, não votámos nesse candidato. Então, estamos a fazer todo o tipo de sacrifícios exactamente por causa desta vontade. Não vai ser agora que vão extrair a vontade popular. O que nós queremos é que o que foi furtado do povo, o voto que o povo depositou, seja respeitado”, explicou.
Os Bispos Católicos de Moçambique já propuseram diálogo para acabar com a violência pós-eleitoral em Moçambique e sugeriram a possibilidade de criação de um Governo de Unidade Nacional. No passado, a Igreja Católica foi importante nas negociações do Acordo de Paz entre a Renamo e o Governo da FRELIMO para acabar com a guerra civil de Moçambique,
Prejuízos para a economia
As manifestações populares estão a causar prejuízos enormes para a economia. Por exemplo, alguns bancos comerciais, incluindo o ABSA, emitiram alertas para os seus clientes a informar que não irão abrir os seus balcões na sexta-feira, dia 25, segundo dia agendando para a manifestação popular.
A maior associação económica de Moçambique, a Confederação das Actividades Económicas de Moçambique (CTA), estima em mais de 1,4 mil milhões de meticais o valor das perdas causadas pela paralisação das actividades económicas na segunda-feira desta semana, referiu em comunicado emitido na passada quarta-feira.
O Presidente Filipe Nyusi falou à nação esta quarta-feira a apelar à paralisação das manifestações, mas isso não evitou que milhares de pessoas voltassem a sair à rua esta quinta-feira. Para hoje, sexta-feira, prevê-se a continuidade de manifestações e possível alastramento para outras regiões do país (SN).