– Polícia acusa organizações da sociedade civil e cidadãos estrangeiros de financiar manifestações populares
Por Ricardo Dias
Maputo (MOZTIMES) – Líderes de organizações da sociedade civil acusam o Governo de tentar silenciá-los em meio à crise pós-eleitoral, após um chefe da Polícia afirmar que estas organizações estão a financiar manifestações populares lideradas pelo líder da oposição, Venâncio Mondlane.
Na última sexta-feira, altos quadros dos ministérios do Interior e da Defesa, incluindo os respectivos ministros, realizaram uma reunião de emergência à noite para discutir a ordem e segurança pública.
No fim do encontro, anunciaram que as manifestações nas ruas são financiadas por organizações da sociedade civil e cidadãos estrangeiros, a quem advertiram para não se imiscuírem nos assuntos internos do país.
“Estas acções agressivas, convocadas pelo candidato Venâncio António Bila Mondlane, têm sido apoiadas e financiadas por algumas organizações da sociedade civil e pessoas singulares de má fé, tanto nacionais como estrangeiras, com o intuito de criar o caos generalizado e subverter a ordem constitucionalmente instituída”, declarou Fernando Tsucana, vice-comandante geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), no encerramento da reunião, realizada em Maputo.
O vice-chefe da Polícia denunciou também o uso de bombas de fabrico caseiro, conhecidas como cocktails molotov, durante as manifestações, bem como actos de destruição, saque e pilhagem de estabelecimentos comerciais, vandalização de infraestruturas públicas e privadas, ataques a esquadras, viaturas, assassinatos de membros da PRM e de cidadãos inocentes.
Reacções da sociedade civil
Edson Cortez, director do Centro de Integridade Pública (CIP), uma das organizações cívicas mais activas de Moçambique, entende que as declarações do chefe da Polícia fazem parte de uma narrativa para justificar futuras perseguições contra as organizações da sociedade civil, que têm denunciado os desmandos da elite governante.
“Essa é uma narrativa que visa, em seguida, prender-nos e matar-nos”, afirmou Cortez em entrevista. “O principal problema é que houve eleições, as pessoas votaram, e quase dois meses depois ainda não há resultados”, explicou.
Para Cortez, a postura do Governo e do partido no poder perante as manifestações indica que já estão sem ideias para conter a insatisfação popular expressa nas ruas.
“A Polícia tem de parar de pensar que somos idiotas. Dizer que as pessoas estão nas ruas porque são pagas é uma idiotice. Os pobres mobilizam-se porque vivem mal, e isso não acontece com os ricos”, afirmou.
Cortez sublinhou ainda que o Governo de Moçambique depende de ajuda de doadores para financiar os seus projectos, pelo que não faz sentido acusar a sociedade civil de estar a receber financiamento externo dos mesmos doadores que apoiam os programas governamentais.
“O vandalismo é resultado da acção brutal da Polícia”, acusou Cortez. “Os estudantes que se graduam nas universidades e gritam ‘Venâncio’ também são financiados?”, questionou.
Distração dos problemas reais
Paula Monjane, directora do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), argumenta que atribuir as manifestações a apoio externo é uma estratégia para desviar a atenção dos problemas reais que o país enfrenta.
“O Governo quer usar isso para distrair a atenção, construindo narrativas que desviem o foco do que está a acontecer”, afirmou Monjane. “O povo está a pedir justiça eleitoral. É preciso restituir e devolver o respeito pelas instituições do Estado”, acrescentou.
Monjane referiu que algumas organizações da sociedade civil apoiam as vítimas de abusos cometidos pela Polícia, mas isso não significa financiar manifestações. Recordou ainda que, há poucos anos, o Governo acusou as organizações de financiar o terrorismo e tentou, através de uma lei draconiana, exercer controlo sobre estas.
“Há uma intenção contínua de querer silenciar e controlar as organizações da sociedade civil. É importante não nos deixarmos distrair e repudiar sempre estas tentativas de desviar o foco dos verdadeiros problemas”, concluiu.
As manifestações, convocadas por Venâncio Mondlane, contestam os resultados eleitorais, após o líder da oposição não reconhecer os números divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que atribuem a vitória ao candidato presidencial da Frelimo, Daniel Chapo, com mais de 70% dos votos. (RD)