– Pelo menos 125 pessoas morreram em três dias de escalada de violência pós-eleitoral
– A Ordem dos Advogados de Moçambique acusa a Polícia de chacinar prisioneiros recapturados após fugirem da cadeia
Por Ricardo Dias e Stélvio Martins
Maputo (MOZTIMES) – A cidade de Maputo está parcialmente paralisada esta quinta-feira, primeiro dia útil desde que o Conselho Constitucional validou os resultados das eleições de 9 de Outubro, confirmando a vitória do partido no poder, a Frelimo, e do seu candidato presidencial, Daniel Chapo.
Os dois dias subsequentes ao anúncio dos resultados eleitorais foram tolerância de ponto e feriado devido às celebrações do Natal. Esta quinta-feira era suposto que os serviços públicos e os negócios retomassem as actividades. No entanto, a capital Maputo e a cidade vizinha da Matola, epicentros dos protestos, apresentam-se semidesertas.
As agências do Governo estão encerradas. Os hospitais continuam a operar, mas com capacidade limitada devido às dificuldades e ao receio dos profissionais de saúde em deslocarem-se de casa para o trabalho e vice-versa.
Desde o início do dia, não há protestos nas ruas da capital, mas o ambiente é de tensão. Ao cair da noite, teme-se que os bloqueios às vias regressem, especialmente nos bairros periféricos, onde reside a maioria das pessoas que trabalham no centro da cidade.
O transporte público em Maputo é assegurado maioritariamente por operadores privados. Não há serviço público de transporte a operar, pois os transportadores têm receio de colocar os seus autocarros nas ruas, devido ao risco de serem incendiados pelos manifestantes. De segunda a terça-feira, pelo menos 25 viaturas foram queimadas, de acordo com dados da Polícia.
Todas as agências bancárias estão encerradas no país. Há escassez de dinheiro nos caixas automáticos (ATM). Os principais bancos que operam em Moçambique emitiram comunicados informando os seus clientes que as agências permanecerão encerradas esta quinta-feira.
O ABSA Bank, um dos maiores do país, informou os seus clientes, através de uma mensagem de texto enviada na manhã desta quinta-feira, que as suas agências “estarão encerradas até data a anunciar”.
Nesta semana, pelo menos duas agências bancárias foram vandalizadas nas cidades de Maputo e Matola, e dinheiro foi roubado das caixas-fortes e dos caixas automáticos.
Pelo menos 125 pessoas morreram durante os protestos, segundo a Plataforma de Observação Eleitoral DECIDE. O maior número de mortes foi registado na província de Maputo, com 34 fatalidades. A maioria ocorreu na quarta-feira, durante a evasão da maior prisão do país. Na província de Nampula, registaram-se 26 mortes, enquanto na cidade de Maputo foram contabilizadas 18 vítimas, a maioria resultante de disparos de balas reais pela Polícia durante confrontos com os manifestantes.
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Carlos Martins, criticou, por um lado, a inacção das autoridades políticas e, por outro, a resposta “criminosa” das forças policiais, referindo-se à chacina de prisioneiros que foram recapturados após fugirem da Cadeia de Maputo.
“A fuga de prisioneiros da Cadeia da Machava, a recuperação de alguns e a chacina que se seguiu de alguns desses prisioneiros capturados, injustificada tendo em conta que já se encontravam nas mãos e sob o domínio das autoridades, numa actuação propositadamente criminosa, revelam, nessa injustificada forma de actuar, repugnante, uma sociedade doente, em que as lideranças perderam totalmente a autoridade”, lê-se numa mensagem de saudação por ocasião de Natal, enviada por e-mail esta quinta-feira.
Carlos Martins condena ainda a “a pilhagem de bens públicos e privados, sob o olhar inerte das forças de defesa e segurança” e apela ao diálogo para a resolução do conflito.
O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que lidera os protestos contra os resultados das eleições, acusou a Polícia de ser responsável pela evasão da prisão, alegando que o incidente não tem relação com as manifestações. Contudo, reiterou que os protestos devem continuar.
“As nossas manifestações não vão parar, vão continuar e intensificar-se. Não há que dar um passo atrás, vamos em frente”, disse Mondlane, numa transmissão ao vivo no Facebook, a partir de um esconderijo.
Mondlane voltou a apelar aos manifestantes para não destruírem empreendimentos económicos nem saquearem lojas, mas para focarem os protestos em alvos políticos.
“O nosso foco é a Presidência da República, os ministérios, as sedes do partido FRELIMO e os órgãos eleitorais, o Conselho Constitucional”, afirmou, justificando que “são esses que trouxeram desgraça para o país. É lá onde devemos manifestar-nos.” (RD/SM)