– Líder da oposição diz que não vai aceitar nenhum cargo no Governo
Por Ricardo Dias
Maputo (MOZTIMES) – Três pessoas foram baleadas e um número desconhecido ficou ferido no centro da cidade de Maputo, aquando do regresso de Venâncio Mondlane, que esteve exilado por dois meses e meio.
As vítimas foram atingidas em diferentes locais, uma delas logo pela manhã, nas imediações do Aeroporto Internacional de Maputo, e outra na zona do Mercado Estrela, o primeiro local para onde Mondlane se dirigiu após sair do aeroporto.
Ambas as vítimas faziam parte de um longo cortejo popular que, apesar da chuva forte que cai na cidade de Maputo desde a tarde desta quarta-feira, permaneceu no Aeroporto de Mavalane (Maputo) desde as primeiras horas.
Os milhares que estavam no local, na sua maioria jovens, gritavam “Papá chegou”.
No Aeroporto, estavam também centenas de agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), especialmente da Unidade de Intervenção Rápida, que foi responsável pelos disparos no local.
A Praça dos Heróis, localizada a poucos quilómetros do aeroporto, estava indescritivelmente abarrotada, com milhares de jovens que, aos cânticos, aguardavam ansiosos pela chegada do principal líder da oposição em Moçambique.
O voo Q1375 da Qatar Airways, proveniente de Doha, já tinha previsão de um curto atraso, enquanto, do lado de fora, a polícia lançava gás lacrimogéneo para dispersar os milhares que se aglomeravam.
Venâncio chegou ao aeroporto trajando um terno azul e carregando uma bíblia na mão, caminhando com firmeza. Ainda no interior do aeroporto, foi recebido com uma salva de palmas por funcionários do local.
“Salve Moçambique, Venâncio”, eram os cânticos ouvidos por todo o aeroporto.
Na porta da sala de embarque, dezenas de jornalistas nacionais e internacionais aguardavam por declarações do segundo candidato mais votado nas eleições gerais de 9 de Outubro.
Numa conferência de imprensa improvisada, Venâncio explicou aos jornalistas as razões do seu regresso ao país.
A primeira razão está relacionada com a ideia de que não há negociações porque ele estava fora do país.
“Estou aqui presente, estou aqui em carne e osso para dizer que, se querem negociar, se querem dialogar comigo, se querem ir à mesa de conversações, estou aqui presente”, disse.
Enquanto Venâncio Mondlane falava, na Presidência da República, Filipe Nyusi estava reunido com Daniel Chapo, secretário-geral da Frelimo e presidente-eleito; Ossufo Momade, presidente da RENAMO; Albino Forquilha, presidente do PODEMOS (que apoiou Venâncio Mondlane); Lutero Simango, presidente do MDM; e Salomão Muchanga, presidente da Nova Democracia. Todos, com excepção de Muchanga, têm assento no parlamento. O PODEMOS, entretanto, terá representação pela primeira vez e liderará a oposição na legislatura que inicia a 12 de Janeiro.
Mondlane exige que os interlocutores na Presidência “acabem com essa narrativa” de que ele está fora do país e, por isso, não se pode contar com ele.
A segunda razão para o regresso são os assassinatos selectivos perpetrados pelos esquadrões da morte, que ele chamou de “genocídio silencioso”.
Há relatos de pelo menos cinco membros seniores do PODEMOS assassinados por esses esquadrões.
“Estou aqui para testemunhar isso, justamente para monitorar esse processo, visitar as valas comuns e gritar em defesa dessas pessoas que estão a ser assassinadas”, comentou.
A terceira razão prende-se com o desejo de responder à justiça pelos crimes de que é acusado.
“Venho aqui para mostrar que estou disponível a submeter-me à justiça, a defender-me perante a justiça e a provar quem são os verdadeiros culpados dos crimes hediondos cometidos até hoje”, explicou.
Mondlane afirmou estar no país para acompanhar os bons e maus momentos, “independentemente dos riscos associados”. “Quero estar aqui neste país, quero lutar dentro deste país, e irei, até às últimas consequências, continuar a lutar para evitar exactamente isto que aconteceu”, acrescentou.
O candidato do PODEMOS reiterou que não aceita os resultados eleitorais anunciados e que está disposto a “lutar pela justiça”. Além disso, afirmou que jamais integrará um executivo formado com base em “resultados falsários, manipulados e promíscuos”.
“Eu não fiz esta luta toda para ser chefe, não fiz esta luta para obter benefícios financeiros ou materiais. Mesmo que esse diálogo leve alguns membros do nosso movimento a integrarem o Executivo, nunca seria eu a fazê-lo”, explicou.
Mondlane enfatizou que o regresso ao país não resulta de um acordo político, que a sua saída não esteve relacionada com medo de ser morto, e que não houve desentendimento com a liderança do PODEMOS.
Tomada de posse improvisada
Após a entrevista, Venâncio Mondlane fez um juramento improvisado sobre a bíblia, assumindo simbolicamente o cargo de Presidente da República de Moçambique.
“Eu, Venâncio Mondlane, presidente eleito pelo povo moçambicano, não pelo Conselho Constitucional, não pela Comissão Nacional de Eleições, mas eleito pela vontade genuína do povo, juro, pela minha honra, servir a pátria moçambicana e aos moçambicanos”, declarou.
Depois do discurso, Venâncio foi escoltado por várias viaturas dos seus apoiantes, até ao Mercado Estrela, onde fez outro discurso sob forte vigilância policial.
Minutos depois, iniciaram-se disparos de balas reais, uma delas atingindo um jovem na cabeça, que morreu no local. Houve ainda múltiplos lançamentos de gás lacrimogéneo.
Venâncio interrompeu o discurso e foi escoltado até à Avenida Joaquim Chissano, local onde foram assassinados Elvino Dias e Paulo Guambe, seu advogado e mandatário eleitoral, respectivamente. (RD)