Por Noémia Mendes
Maputo (MOZTIMES) – O cheiro de fumaça começou a espalhar-se pelas ruas do bairro George Dimitrov (Benfica), em Maputo, ainda no início da noite. Eram cerca de 22h de terça-feira, 25 de Dezembro, quando as primeiras labaredas começaram a engolir o supermercado Benfica-China, transformando o local num inferno que ninguém poderia imaginar.
Célia José, mãe de um menino de apenas dois anos, estava entre os muitos moradores que, motivados pelos tumultos pós-eleitorais, decidiram aproveitar os saques. “Eu só queria levar alguns electrodomésticos, como todos estavam a fazer,” conta Célia, com lágrimas nos olhos. Ela nunca imaginou que perderia, no Dia da Família, o seu filho de dois anos.
Enquanto a fumaça se intensificava, Célia entrou no supermercado, deixando o pequeno do lado de fora. Ou, ao menos, foi o que ela pensou. “Quando percebi que ele tinha me seguido para dentro da loja, já era tarde. As portas estavam trancadas, e o fogo tinha tomado conta de tudo,” contou.
A tragédia começou a tomar forma ainda antes de o incêndio começar. Testemunhas oculares relataram ao MOZTIMES que agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) dispararam contra a caixa de protecção de um contador eléctrico em frente ao supermercado. Segundo uma testemunha, que vamos convencionar chamar de Gilberto, o objectivo parecia ser cortar a energia do local.
“Eles dispararam quatro tiros, jogaram gás lacrimogêneo para dentro da loja e, em seguida, trancaram as portas,” narra Gilberto, morador do bairro. “Depois disso, ouvimos os gritos de socorro. Foi um terror absoluto.”
Por volta das 22h, as chamas começaram a consumir o edifício. Quando os bombeiros chegaram, apenas cinco horas depois, o fogo já havia causado estragos irreversíveis.
Célia não foi a única a perder um ente querido naquela noite. Pedro Bié, outro morador do bairro, ainda busca respostas sobre o paradeiro do seu colega de trabalho, Joaquim. “Desde terça-feira, não temos notícias dele. Amigos disseram que o viram a participar dos tumultos,” lamenta Pedro.
A cada hora, mais famílias se reuniam no local, buscando informações sobre parentes desaparecidos. Entre elas, uma mãe que, chorando, relatava que o seu filho havia escapado duas vezes de situações semelhantes, mas não teve a mesma sorte na terceira.
“Estou aqui desde terça-feira. Meu coração está apertado. Não consigo encontrá-lo,” diz a mulher, sem conter o desespero.
Até o momento, 11 corpos foram encontrados, carbonizados, no local, o porta-voz do Serviço Nacional de Salvação Pública (SENSAP), Leonildo Pelembe, disse em entrevista ao MOZTIMES, esta quinta-feira. As autoridades ainda trabalham para identificar os restos mortais, mas a dimensão do incêndio tornou essa tarefa extremamente difícil. Ossadas humanas são tudo o que resta, para contar a história dessa noite trágica.
Segundo Pelembe, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) está a investigar as causas do incêndio.
Enquanto isso, no bairro Benfica, o cenário ainda é de destruição e dor. Para Célia, Pedro e tantas outras famílias, a noite de 25 de Dezembro não será, apenas, lembrada como um momento de caos, mas como um símbolo da perda irreparável que o desespero pode trazer. (NM)