Por Rui Lamarques
Maputo (MOZTIMES) – Hoje, assisti a um incidente que serve como um reflexo das profundas mudanças que estamos a vivenciar no país: um carro do Serviço de Actividades Económicas (INAE) foi incendiado enquanto realizava, diz-se, uma fiscalização com contornos de extorsão. O acto, embora triste, reflecte uma insatisfação crescente com as práticas de extorsão e abuso de poder que marcaram o serviço público durante anos. Este é apenas mais um sinal de que o povo está a exigir respeito e mudança.
Neste novo normal os actos de extorsão e outras formas de abuso estão a ser confrontados de maneira mais agressiva. Funcionários públicos, que antes operavam com relativa impunidade, como fiscais, agentes da polícia e até mesmo técnicos da Eletricidade de Moçambique, estão diante de uma resistência mais incisiva. As ruas que antes eram palco de extorsões disfarçadas de fiscalização, agora podem ser mais arriscadas para aqueles que persistem nesses comportamentos.
Entretanto, essa realidade de transformação traz consigo um risco evidente: a ausência de fiscalização e a falta de controlo social podem abrir portas para actividades criminosas. Sem a presença das forças de segurança em lugares estratégicos, como nas estradas ou nos bairros, surge a possibilidade de maior violência e caos. As ruas sem vigilância se tornam um campo fértil para a circulação de criminosos, e a ausência de policiais comprometidos com a ordem pode resultar numa escalada de insegurança.
Tomemos como exemplo os agentes da polícia, outrora omnipresentes nas estradas, frequentemente a extorquir chapeiros e toda espécie de automobilista. Hoje, a sua presença é cada vez mais rara, não porque os problemas desapareceram, mas porque o risco de confronto directo com uma população exasperada tornou-se grande demais. Os “chapeiros”, conhecidos por encurtar rotas e desrespeitar os passageiros, também estão em xeque. O “novo normal” não tolera mais atitudes que colocam o lucro acima do respeito pelo cidadão comum.
Essa transformação não é apenas um ajuste temporário; é um recalibrar das relações entre o poder e a população. Os que insistirem em explorar, abusar e extorquir terão que enfrentar a dura realidade de uma sociedade que não aceita mais ser explorada em silêncio.
Do mesmo modo, é impossível ignorar a crítica sobre a Autoridade Tributária, onde se tornou comum ver funcionários mais preocupados em acumular ganhos ilícitos do que garantir uma administração fiscal justa. A presença desses agentes, que muitas vezes pareciam mais gordos do que porcos, simbolizava um sistema de corrupção que deixou de ser tolerado. A transformação desse sistema será crucial, mas também exigirá tempo e acção coordenada.
Apesar de tudo o novo normal deve, portanto, buscar um equilíbrio entre a erradicação de abusos e a manutenção da ordem. A luta contra a corrupção e a extorsão não pode significar a ausência do poder estatal nas ruas. Para que o país prospere, as autoridades devem se reformar e se alinhar aos interesses do povo, mas sem negligenciar a sua responsabilidade de manter a ordem e a segurança. Ou seja, por mais que essas acções radicais possam gerar desconforto, elas nos obrigam a reflectir: será que estamos prontos para um Moçambique onde o serviço público realmente serve o povo? Ou será que insistiremos num sistema onde o poder é usado para benefício próprio? O que é claro é que o antigo normal já não tem lugar aqui. Estamos num território desconhecido, e cabe a todos – servidores públicos, cidadãos e líderes – decidir que tipo de sociedade queremos construir a partir desse caos transformador. (RL)