– Pela primeira vez, Venâncio Mondlane ameaça usar forças paramilitares para defender a população, o que pode conduzir a conflito armado
– Mais de 130 pessoas morreram em apenas cinco dias de escalada de violência pós-eleitoral em Moçambique
Por Sheila Nhancale e Ricardo Dias
Maputo (MOZTIMES) – A vida voltou à normalidade este sábado na região do Grande Maputo, mas talvez apenas por um curto período. Na segunda-feira, 30 de Dezembro, o líder da oposição, Venâncio Mondlane, irá anunciar uma nova fase de protestos, denominada “ponta de lança”, e afirma ser a mais dura até aqui.
Mondlane pediu aos moçambicanos que aproveitem o fim de semana para enterrar os mortos e visitar os doentes, antes que tudo volte a ser paralisado na segunda-feira.
Segundo dados da Plataforma Decide, somente nos últimos cinco dias (de segunda a sexta-feira), 134 pessoas perderam a vida, representando mais da metade do total de 261 vítimas mortais registadas nos protestos contra os resultados das eleições. A maioria das mortes foi causada por tiros disparados pela polícia durante confrontos com os manifestantes. No total, 228 pessoas foram baleadas nos últimos cinco dias, elevando para 573 o número de pessoas atingidas por balas disparadas pela polícia desde o início das manifestações.
Esta semana, dezenas de reclusos também foram mortos pela polícia durante uma tentativa de fuga da maior prisão de Maputo.
“Sábado e domingo temos pessoas para enterrar. Temos pessoas que precisam de tratamento médico. Vamos enterrar os nossos irmãos, cuidar dos feridos e recolher mais cedo para as nossas casas”, disse Mondlane numa transmissão ao vivo na sexta-feira.
De facto, no sábado, os cemitérios da capital registaram grande afluência. Não apenas para enterrar as vítimas das manifestações, mas também para realizar os funerais de entes queridos falecidos ao longo da semana. O bloqueio da circulação de pessoas e viaturas nas grandes cidades impediu ou limitou significativamente a realização de serviços funerários, levando ao acúmulo de corpos nas morgues.
Mondlane deu instruções aos seus apoiantes para permitir a passagem de viaturas de serviços funerários, assim como de pessoal médico, durante os protestos. Contudo, a paralisação é geral: funcionários das morgues, dos registos civis (responsáveis pela emissão de certidões de óbito) e os coveiros enfrentam dificuldades para se deslocar de casa para o trabalho.
Além de enterrar os mortos, os moradores da região do Grande Maputo aproveitaram o curto período de suspensão dos protestos para se reabastecer de alimentos, levantar dinheiro nos ATM, comprar combustíveis e adquirir bens de primeira necessidade.
Bancos, supermercados e postos de abastecimento de combustíveis permaneceram fechados durante a semana de violência pós-eleitoral, temendo saques. A cidade ficou lotada este sábado, com pessoas a tentar comprar o máximo possível para enfrentar a próxima fase de manifestações, anunciada para segunda-feira, que promete ser ainda mais severa.
Ameaça de Uso de Armas de Fogo
“Desta vez, o povo não vai ser morto como galinhas. Desta vez, vai ser a fase em que a população se defenderá com todos os seus meios”, afirmou Mondlane na sua última transmissão ao vivo, ameaçando usar armas pela primeira vez.
“Aqui em Moçambique, nós não queríamos [usar armas]. Há muitas organizações paramilitares que têm entrado em contacto connosco, e nós dissemos que não queremos recorrer a armas. Mas, se for necessário, daremos aval a estas organizações para defender o nosso povo”, afirmou, sinalizando uma possível escalada para um conflito armado.
Até agora, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique mantiveram neutralidade diante das manifestações, deixando a polícia à frente no combate aos protestos. No entanto, a ameaça de recorrer a forças paramilitares pode ser vista como uma declaração de guerra, levando a uma resposta mais militarizada do Governo.
Mondlane não especificou quais forças paramilitares poderão ser destacadas para defender a população. No entanto, milhares de antigos guerrilheiros da Renamo, que eram leais ao falecido líder Afonso Dhlakama, foram marginalizados pela liderança de Ossufo Momade. Apesar do acordo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), parte desses guerrilheiros não está a receber as pensões por razões burocráticas dentro da própria Renamo, relacionadas ao alistamento de candidatos a beneficiar das mesmas.
Nesse contexto, o risco de antigos guerrilheiros da Renamo se envolverem em confrontos militares é considerado real. Alguns desses combatentes têm-se amotinado na sede do partido, no centro de Maputo, exigindo o afastamento de Ossufo Momade da liderança do partido. (SN/RD)