– Horas após receber notificação do Ministério Público, o candidato que se autoproclamou vencedor das eleições desafiou as autoridades a prendê-lo
– No passado, o Ministério Público já mandou prender líderes da oposição, mas uma eventual prisão de Venâncio Mondlane, neste momento, pode precipitar revolta popular
Por Sheila Nhancale, Stélvio Martins e Noémia Mendes
Maputo (MOZ TIMES) – Está a aumentar a tensão pós-eleitoral em Moçambique. Na tarde desta terça-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) notificou o candidato presidencial da oposição, Venâncio Mondlane, a “abster-se de práticas que violam a Constituição e a legislação eleitoral”, “agitação social, desobediência pública, desrespeito aos órgãos do Estado, incitação à violência”. Horas depois, o candidato Mondlane reagiu endurecendo o seu discurso. Desafiou o Ministério Público a prendê-lo e convidou a juventude a “sair à rua para defender a democracia”.Esta quarta-feira, Mondlane deslocou-se à cidade de Nampula, no norte do país, onde liderou uma marcha popular em que milhares de jovens percorreram o centro da cidade. A marcha, que era transmitida em direto no Facebook, foi interrompida por tiros, aparentemente disparados pela polícia, minutos depois do seu início. Nampula é a província onde pelo menos nove pessoas foram mortas pela polícia durante protestos contra a fraude eleitoral nas eleições autárquicas de 2023.
A tensão pós-eleitoral em Moçambique já existia. Há várias acusações de fraude eleitoral para beneficiar o partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). No entanto, os acontecimentos desta terça-feira tornam a situação mais complicada e imprevisível.
O Ministério Público emitiu um comunicado, distribuído à imprensa, intimando o candidato presidencial Venâncio Mondlane a abster-se de se autoproclamar vencedor da eleição presidencial.
Com bases nos resultados oficiais divulgados pelos órgãos eleitorais, até então referentes a 10 das 11 províncias de Moçambique, o candidato da FRELIMO, Daniel Chapo, surge em primeiro lugar com acima de 60% da soma nacional de votos. Mondlane surge em segundo lugar.
No entanto, Mondlane apareceu diversas vezes a autodeclarar-se vencedor da eleição presidencial, com base em resultados de contagem paralela de votos que diz ter realizado. Citando os mesmos resultados, Mondlane alega também que o partido PODEMOS, que apoia a sua candidatura, também ganhou a eleição.
Usando a sua página de Facebook, onde tem mais de meio milhão de seguidores, Mondlane fez uma transmissão live que foi assistida por centenas de milhares de seguidores, durante o horário nobre (21h00), repetindo que ganhou as eleições e endureceu o discurso contra o Ministério Público.
Mondlane disse que neste momento tem resultados que comprovam que ganhou a eleição com mais de 75% de votos, “apesar do enchimento de urnas”.
Nestas eleições, observadores locais e internacionais reportaram casos de fraude eleitoral. Inclusive, a chefe da missão de Missão de Observação Eleitoral da União Europeia em Moçambique, Laura Ballarín, falou de casos de enchimento de urnas.
Porém, é pouco provável que Mondlane tenha ganho e eleição com mais de 75% de votos, como referiu na live.
Em eleições democráticas modernas, os candidatos não ganham maiorias tão grandes em nenhum lugar do mundo. No caso moçambicano, ganhar 75 por cento não significaria apenas que Mondlane esmagou os outros dois candidatos da oposição, mas que comeu profundamente a base de apoio da FRELIMO, e não há evidências de que isso tenha acontecido.
“Eu estou pronto. Podem me prender. Não vou fugir deste país”
No seu comunicado, o Ministério Público referiu que a “auto-proclamação de vencedores e a divulgação de informações não confirmadas (por órgãos eleitorais) pode gerar desinformação e incitar a população a actos de violência”, mas não emitiu mandado de prisão contra Mondlane.
No passado, o Ministério Público já ordenou prisão de políticos proeminentes da oposição acusados de incitar a violência. São os casos dos deputados e então porta-vozes da Renamo, da Renamo Jerónimo Malagueta, preso em 2013, e António Muchanga, detido em 2014, ambos acusados de incitação à violência.
No entanto, uma prisão de Venâncio Mondlane, neste momento, pode aumentar a tensão pós-eleitoral e até gerar uma revolta popular, liderada pelos seus, que são sobretudo jovens das zonas urbanas.
Ciente desta situação, Mondlane desafiou o Ministério Público a ordenar a sua prisão, ao mesmo tempo que chamou a juventude a “sair à rua para defender a democracia”.
“Eu estou pronto. Se acharem que querem vir me prender por isso, podem vir. Estou preparado para o que der e vier e não vou fugir deste país, não me vou refugiar em lado nenhum’’, afirmou.
No ano passado, Mondlane mobilizou milhares de jovens para marchar pelas ruas da capital, Maputo, a contestar resultados das eleições municipais para as quais perdeu para o candidato da FRELIMO, embora Mondlane tenha apresentado dados de contagem paralela que davam como vencedora da eleição a lista da RENAMO, pelo qual concorria à presidência do Município de Maputo.
As marchas do ano passado foram maioritariamente pacíficas, tendo havido sinais de violência somente quando a Polícia tentou impedir que acontecessem (SN/SM/NM).