– Há zonas da província de Cabo Delgado sob controlo ou influência de insurgentes, tornando por isso impossível realizar a votação
Por Stélvio Martins
Maputo (MOZ TIMES) – Cerca de 17 milhões de pessoas estão inscritas para votar nas eleições presidenciais, legislativas e provinciais esta quarta-feira, 09, em Moçambique. Este número representa um aumento de mais de 3 milhões de eleitores desde as últimas eleições nacionais em 2019. A violência terrorista na província nortenha de Cabo Delgado, que gerou centenas de milhares de deslocados, e a desconfiança generalizada no sistema eleitoral podem impedir a realização de eleições livres, alertam especialistas.
Concorrem para as eleições presidenciais quatro candidatos. Daniel Chapo, do partido no poder, Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), é tido como o favorito e vai beneficiar grandemente do campo de disputa política inclinado a favor da FRELIMO. Os três candidatos da oposição, Ossufo Momade, da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Lutero Simango, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e Venâncio Mondlane, independente, poderão disputar entre si a posição de segundo candidato mais votado, que confere o estatuto de líder da oposição, incluindo um assento no Conselho do Estado.
Ameaça Terrorista em Cabo Delgado
A eleição em Moçambique acontece num contexto de ataques terroristas na província setentrional de Cabo Delgado, onde mais de 1.400.000 eleitores foram inscritos para votar. Os ataques que duram há mais de 7 anos, já causaram aproximadamente seis mil mortos e mais de um milhão de deslocados internos.
O Governo garante que há condições de segurança para se votar em Cabo Delgado. Cerca de 5 mil militares e a polícia do Ruanda estão destacados em vários distritos de Cabo Delgado para apoiar o Governo de Moçambique a combater a insurgência. As tropas do Ruanda deverão trabalhar também para garantir a segurança durante as eleições.
Todavia, prevalecem ataques terroristas e agora com cada vez mais uso de engenhos explosivos improvisados (IED), o que cria incertezas sobre a segurança do processo eleitoral. As zonas costeiras dos distritos de Mocímboa da Praia, Macomia e Quissanga dificilmente reunirão condições de segurança para que se possa realizar a votação.
Emília Columbo, associado sénior do Programa para África do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), dos Estados Unidos da América, diz que mais do que dar garantias de segurança pelo Governo, a questão é quão segura as pessoas realmente se sentem, mesmo sendo dito (pelo Governo) que é seguro ir às urnas.
“Com a recente actividade insurgente e a baixa confiança nas forças de segurança do Estado, imagino que os eleitores possam não se sentir seguros para se deslocar aos locais de votação”, disse Emília Columbo em entrevista. “Essa falta de confiança nas forças de segurança e o medo dade ataques criam uma barreira para a participação democrática”, acrescentou a entrevista.
Willem Els, pesquisador no Institute for Security Studies (ISS Africa), afirma que não será possível abranger eleitores residentes nas zonas sob influência dos insurgentes. Desse modo, pode-se dar como garantido que parte dos residentes de Cabo Delgado não irá votar. “Existem locais da província que estão sob controlo ou influência dos insurgentes, em vez das forças governamentais”, afirmou.
Todos os candidatos presidenciais incluíram nos seus discursos de campanha eleitoral a necessidade de resolver o conflito em Cabo Delgado, mas para Emília Columbo, “a capacidade de o novo presidente (eleito nestas eleições) mudar o curso pode ser difícil, dada a complexidade da situação.”
Fraude eleitoral é certa, mas como irá a juventude reagir?
Para além da questão da segurança, a desconfiança em relação ao sistema eleitoral é outro risco grave que pode comprometer as eleições em Moçambique. As acusações de fraude eleitoral cometidas pelos órgãos eleitorais para favorecer o partido no poder marcaram as eleições autárquicas de 2023 e isso poderá repetir-se nas eleições deste ano.
Joseph Hanlon, cientista social especializado em processos eleitorais em Moçambique, disse que “é certo que a Frelimo vai roubar as eleições em Outubro. A questão é se haverá uma resposta dos doadores, dos jovens, ou em Cabo Delgado”.
“Há 900.000 eleitores fantasmas que vão votar na Frelimo, garantindo a presidência ao Chapo. A fraude reduzirá os assentos parlamentares da oposição”, disse Hanlon num seminário organizado pelo ISS Africa no final de Agosto para analisar as eleições em Moçambique. “A grande questão é saber como é que os doadores vão reagir. Os doadores poderiam dizer bem alto que estas eleições são uma oportunidade para deixar os jovens falar. Mas será que vão ser suficientemente corajosos?”, questionou Hanlon.
Numa entrevista ao THE MOZAMBIQUE TIMES, Hanlon explicou que as eleições em Moçambique não contam. “A ideia em muitas autocracias é enganar as pessoas para que pensem que as urnas podem trazer mudanças, mas acontece o contrário, mostrar-lhes que não podem”.
Os resultados das eleições em Moçambique deverão ser conhecidos nos três dias seguintes à votação, mas serão necessárias até duas semanas para serem aprovados pela Comissão Nacional de Eleições e até 45 dias para serem proclamados pelo Conselho Constitucional (SM/BN).