Por Stélvio Martins
Maputo (MOZTIMES) – Passava das 10 da noite. Conversava banalidades ao telemóvel quando ouvi os cães a ladrar. Logo a seguir, batidas violentas no portão. Fez-se silêncio. Depois, ouvi pancadas no portão do meu vizinho. Estremeci.
Ao longe, ouvi apitos e gritos de homens. A minha cabeça levou-me a pensar nos 1.500 reclusos foragidos da maior prisão de Maputo. Senti arrepios de imediato.
Respirei fundo, espreitei pela janela e não vi nada. A rua estava às escuras.
O telefone não parava de tocar – vizinhos chamavam-me para sair à rua.
– Traga uma catana! Há “homens catana” à solta. Precisamos de fazer patrulha e defender-nos.
Acordei a minha mãe e expliquei o que se passava. Pedi-lhe que trancasse as portas por dentro.
Calcei umas sapatilhas, peguei numa catana e saí à rua.
O clima era tenso. Havia pessoas de todas as idades, e nos seus rostos via-se uma expressão comum: medo.
Ninguém sabia o que esperar. Só se falava numa coisa, e cada um tinha a sua versão dos factos.
– Estão aqui perto! Ouvi dizer que invadiram uma casa há dois quarteirões.
O terror só aumentava.
Ao longe, o céu parecia ainda mais negro, borrado pelas nuvens de fumo dos pneus queimados. O ar cheirava intensamente a borracha.
A situação piorou ainda mais quando, dois minutos depois, houve uma interrupção no fornecimento de electricidade. Um suspiro colectivo. Sentíamo-nos como peixes num aquário: presos, vulneráveis, presas fáceis.
Alguém sugeriu acender pneus para iluminar as ruas. Trouxeram vários, que acendemos ao longo da extensão do bairro, e acampámos num ponto de intersecção.
De vez em quando, ouvíamos gritos de jovens que cantavam e dançavam ao longe, junto aos pneus. Era possível distinguir as letras: alguns gritavam “Ve-nân-cio”.
Havia grupos de jovens que marchavam como se fossem militares.
– Comandante! – diziam.
– Vamos aplacar aqui!
– Tropa, avançar!
E seguiam com a sua marcha pelas ruas do bairro.
Os gritos assustavam-nos ainda mais. Ninguém sabia o que podia estar a aproximar-se. A incerteza transformava-se em terror.
Depois de cerca de três horas naquele clima tenso, alguns, como eu, começaram a ser vencidos pelo cansaço. Sonecávamos sentados à volta dos pneus.
Algumas pessoas começaram a retirar-se para as suas casas, convencendo-se de que talvez não se tratasse de nada mais do que boatos.
Eu, por minha vez, retirei-me e disse:
– Qualquer coisa, gritem. Eu vou dormir de sapatilhas.
E assim foi. Passei o resto da madrugada deitado, com uma catana na mão, calças de ganga e sapatilhas nos pés. (SM)