“Os concursos simulados para favorecer amigos, os cartéis que enriquecem à custa do sofrimento do povo – isto tem de acabar.” – Daniel Chapo
Daniel Chapo fez um discurso bonito na sua tomada de posse. Não interessa quem o escreveu. “As boas ideias não têm cor política”, disse Filipe Nyusi na sua tomada de posse em 2015, embora a prática nos dez anos que se seguiram tenha mostrado o contrário.
Ao assumir o cargo como o 5º Presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo foi certeiro em identificar os principais problemas que tornaram Moçambique um dos piores países para se viver. Um desses problemas é a corrupção, acompanhada de uma impunidade endémica.
O Presidente afirmou categoricamente: “Quero deixar claro: quem exige comissões para fazer o seu trabalho está a roubar ao povo.” E reforçou que “a corrupção tem corroído o tecido do nosso Estado e do nosso povo” e que “concursos simulados, para favorecer amigos, têm de acabar.”
Problema bem identificado, senhor Presidente. Agora vamos trabalhar.
O Presidente prometeu combater a corrupção e os concursos públicos simulados que favorecem amigos. Nós, deste lado, comprometemo-nos a contribuir, denunciando, através de investigação jornalística, os casos de corrupção e outros males. Agora, cabe ao Presidente passar da palavra à acção.
Não há muito tempo a perder. É estranho que, quase duas semanas após a sua posse, o Presidente ainda não tenha formado o seu governo. Para um país mergulhado num buraco profundo, é urgente começar a trabalhar para sair desta situação.
No entanto, queremos concentrar-nos aqui na corrupção nos concursos públicos simulados para favorecer amigos.
Em 2016 a Autoridade Tributária lançou um concurso público para contratar um Sistema Informático de Gestão das Máquinas Fiscais (SGMF). O valor do contrato, mais de 70 milhões de meticais, foi integralmente pago à empresa contratada, mas o projecto continua, até hoje, inoperacional.
Quase dez anos depois, investigámos e expusemos este escândalo, que se assemelha muito ao que o Presidente chamou de “concursos simulados, para favorecer amigos”. Todos os detalhes deste caso foram publicados num artigo de investigação na passada quinta-feira.
A Autoridade Tributária confirmou-nos, através de uma carta oficial, que o projecto nunca funcionou, apesar de todo o valor ter sido gasto.
O caso foi denunciado em 2019 à Procuradoria da República, com alegações de corrupção, mas até hoje não houve responsabilização. A corrupção prevalece, pois, caminha de mãos dadas com a impunidade.
Neste campo, o nosso papel enquanto imprensa é investigar e expor os casos de corrupção e outras irregularidades. A investigação criminal cabe às autoridades do Estado, de que o Presidente Chapo é o chefe máximo.
Há semanas, publicámos um texto no qual afirmámos que “Chapo está ciente da falta de legitimidade e, por isso, está a investir no marketing para criar a imagem de um político honesto e tolerante, diferente do presidente cessante, Filipe Nyusi.”
Os seus assessores não gostaram da notícia e interpelaram-nos, ainda que de forma informal. Respondemos que continuaremos a trabalhar e a questionar o Presidente, pois este é o papel da imprensa num país livre. Embora Moçambique não seja totalmente livre, é este ideal de liberdade que perseguimos.
A melhor forma de ganhar legitimidade, senhor Presidente, é trabalhando. Se não tem a legitimidade de título devido à forma como chegou ao cargo de Presidente da República, pode conquistar a legitimidade de exercício através do seu trabalho.
Como jurista e advogado, o senhor Presidente sabe que os crimes de corrupção não prescrevem. Seria um excelente exemplo começar a combater os “concursos simulados, para favorecer amigos” por este caso que trouxemos ao público. É necessário dar ordens claras ao Ministério Público para investigar e esclarecer o caso. Assim, o Presidente poderá começar a ganhar a legitimidade de que tanto precisa.
Nos próximos dias, traremos mais casos. E esperamos do seu governo acções concretas para combater a corrupção. Da nossa parte, pode esperar investigação e exposição dos casos de corrupção com bravura, coragem e integridade.
P.S.: Anexamos a parte do discurso do senhor Presidente em que promete combater a corrupção, sobretudo na contratação pública, para que se recorde sempre das suas palavras, com as quais concordamos e cuja materialização exigimos.