– Líder da oposição exige diálogo somente com mediação internacional
– União Europeia e EUA apelam ao fim da violência e propõem diálogo e negociações
Por António Cumbane, Sheila Nhancale e Aurélio Muianga
Maputo (MOZTIMES) – A violência escalou em Moçambique após o Conselho Constitucional, o supremo tribunal eleitoral, ter anunciado os resultados definitivos das eleições, confirmando a vitória do partido no poder, Frelimo, nas legislativas, e do seu candidato presidencial, Daniel Chapo.
Os protestos começaram imediatamente após o anúncio dos resultados. A capital Maputo e a cidade vizinha da Matola são o epicentro da violência pós-eleitoral, mas outras cidades importantes do país também estão a enfrentar episódios de tensão.
Nas últimas 24 horas, manifestantes atacaram e incendiaram pelo menos três agências bancárias, duas na cidade de Maputo e uma na Matola. Lojas de diversas dimensões, incluindo grandes supermercados, foram saqueadas por grupos que incluem mulheres e crianças. Os produtos levados vão desde bens alimentares a electrodomésticos.
O ministro do Interior, Pascoal Ronda, apresentou balanço dos protestos. Afirmou que nas últimas 24 horas, a Polícia registou 236 actos de violência grave em todo o território nacional, que tiveram como resultado 21 óbitos, dos quais 2 membros da Polícia, 25 feridos, dos quais 13 civis e 12 membros da Polícia, 25 viaturas incendiadas, das quais 2 pertencem à Polícia, 11 subunidades policiais e um estabelecimento penitenciário atacados e vandalizados, de onde foram retirados 86 reclusos.
O ministro disse ainda que quatro portagens foram incendiadas, três unidades sanitárias vandalizadas, um armazém central de medicamentos incendiado e vandalizado, e 10 sedes do partido Frelimo incendiadas.
Em conexão com estes actos, foram detidos 78 indivíduos devidamente processados.
“Como podem ver, ninguém pode chamar ou considerar estes actos criminosos como uma manifestação pacífica. Não estamos perante manifestações pacíficas, estamos perante crimes”, afirmou Ronda na noite desta terça-feira.
As forças militares e policiais foram destacadas para as ruas na tentativa de restabelecer a ordem. Contudo, as manifestações ocorrem simultaneamente em diversos pontos, dificultando a actuação das autoridades.
Em alguns locais, a polícia tem agido com brutalidade, disparando balas reais, ferindo e causando mortes entre os manifestantes, o que tem intensificado a fúria das multidões. Por outro lado, os militares têm adoptado uma abordagem mais contida, tentando negociar pacificamente o desbloqueio das vias.
As principais vias de entrada e saída de Maputo encontram-se bloqueadas com pedras e outros objectos volumosos. A mesma situação é reportada em cidades como Beira (Sofala), Nampula, Pemba (Cabo Delgado) e Quelimane (Zambézia).
Dois edifícios de tribunais foram destruídos pelo fogo, um no bairro da Maxaquene (Maputo) e outro no bairro de Ndlavela (Matola).
O posto fronteiriço de Ressano Garcia esteve bloqueado durante o dia, e o trânsito nos corredores portuários está comprometido, incluindo na Estrada Nacional Número 4 (N4), que liga Maputo à África do Sul, e na Estrada Nacional Número 6 (N6), que conecta Beira ao Zimbabwe.
Na província de Inhambane, manifestantes ameaçam ocupar a unidade petroquímica da Sasol, em Temane, que explora e exporta gás natural para a África do Sul através de gasoduto. Em Morrumbene, um grupo incendiou a sede da localidade de Malaia e a residência do chefe local, que escapou antes do ataque.
Na Beira, três camiões foram incendiados na N6, na área de Manga Mungassa. Não há registo de entrada ou saída de mercadorias no porto, essencial para as exportações e importações dos países do hinterland.
“Ocorreu vandalização de várias lojas de nigerianos na Munhava esta terça-feira, o que obrigou a polícia a intervir, resultando em muitos feridos. Dados do Hospital Central da Beira indicam 21 feridos a bala, cinco deles em estado grave”, relatou um jornalista local ao MOZTIMES.
Em Cabo Delgado, no distrito de Montepuez, uma menor de 11 anos, Odete Anifo, foi baleada por agentes da Unidade de Intervenção Rápida, enquanto estava na varanda de sua casa, no bairro de Merige.
“Estamos muito tristes e pedimos que o caso seja investigado e os responsáveis responsabilizados”, disse Sábado Murane, familiar da vítima, acrescentando que a polícia não prestou assistência à criança, que está sob cuidados médicos no Hospital Rural de Montepuez.
Daniel Chapo, o presidente eleito, disse à Bloomberg que nada pode fazer antes de tomar posse, marcada para 15 de Janeiro. Após isso, prometeu engajar-se no diálogo político, sem detalhar como.
O candidato presidencial da oposição, Venâncio Mondlane, que lidera os protestos, pediu numa transmissão ao vivo pelo Facebook que os manifestantes evitem destruir propriedades privadas, justificando que a luta não é contra empresários. Reforçou também que ambulâncias e viaturas de emergência devem circular livremente, mas apelou à continuidade das manifestações.
Mondlane defendeu que as manifestações visam forçar o partido no poder a aceitar um diálogo, que, segundo ele, só será possível com mediação internacional.
A União Europeia emitiu um comunicado manifestando preocupação com a situação em Moçambique e apelando ao diálogo. Na declaração, a UE recorda que a sua missão de observação eleitoral “detectou irregularidades durante a contagem de votos e alterações injustificadas dos resultados eleitorais”.
Através de uma publicação no Twitter, o Gabinete de Assuntos Africanos do Governo norte-americano expressou desapontamento com a decisão do Conselho Constitucional. “Exortamos todos a absterem-se de actos de violência e a negociarem as reformas necessárias”, refere a publicação.
Lutero Simango, candidato presidencial do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), declarou que não reconhece os resultados proclamados pelo Conselho Constitucional e pediu a anulação das eleições – algo juridicamente impossível, visto que o processo já foi concluído. (AC/SN/AM)