- Analista afirma que a associação entre manifestações e terrorismo visa legitimar repressão
- Organização norte-americana condena a “criminalização do movimento pró-democracia em Moçambique”
Por José Calanga e Ricardo Dias
Maputo (MOZTIMES) – O antigo presidente de Moçambique, Armando Guebuza, classificou os protestos pós-eleitorais que ocorrem em várias partes do país como “terrorismo”, numa publicação feita esta quinta-feira na sua página do Facebook.
“Faz pouco sentido queimar mercados e reclamar do custo de vida”, escreveu Guebuza, acrescentando que “o que se está a passar na província de Gaza é terrorismo”.
Nos últimos dias, a província de Gaza tem sido o epicentro de manifestações contra o elevado custo de vida. Em muitos casos, os protestos resultam em actos de violência, incluindo bloqueios de estradas, destruição de infraestruturas públicas e privadas e intimidação de comerciantes para que reduzam os preços de produtos básicos.
A Polícia tem respondido às manifestações com disparos de balas reais e gás lacrimogéneo, aumentando a espiral de violência. Nos últimos dias, tornou-se viral nas redes sociais um vídeo que mostra populares a invadirem uma propriedade do antigo secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, na zona turística do Bilene.
A publicação de Guebuza foi acompanhada por uma fotografia onde aparece ao lado da chefia da bancada parlamentar do seu partido, a Frelimo, após uma visita ao seu gabinete de trabalho. “As circunstâncias complexas não nos devem assustar. Quando vamos a uma batalha, vamos com confiança e seguros de que vamos vencer”, acrescentou.
A conta de Facebook utilizada para a publicação não é verificada, mas tem sido usada há anos pelo antigo presidente para diversas comunicações públicas.
Discurso alinhado com Chapo
As declarações de Guebuza estão em sintonia com o discurso que o presidente Daniel Chapo tem repetido nos últimos dias, sobretudo durante a sua visita de trabalho à província de Cabo Delgado esta semana.
Durante um comício na cidade de Pemba, Chapo comparou os protestos à guerra civil que eclodiu após a independência de Moçambique, movida pela Renamo com apoio do regime minoritário racista da então Rodésia do Sul (actual Zimbabué) e pelo regime do apartheid na África do Sul. Essa guerra de desestabilização evoluiu para um conflito de larga escala que durou 16 anos.
Chapo também equiparou as manifestações aos ataques terroristas em Cabo Delgado, promovidos pelo Estado Islâmico, e prometeu “jorrar sangue” para proteger a pátria contra os protestos.
O discurso do presidente foi criticado por várias figuras devido ao seu tom belicista, levando Chapo a recuar 24 horas depois, alegando que as suas palavras foram retiradas de contexto e manipuladas.
Narrativa para legitimar repressão
Egídio Chaimite, professor de Ciência Política na Universidade Eduardo Mondlane, considera que a associação entre os protestos populares e o terrorismo visa justificar a repressão e os abusos das forças de segurança contra os manifestantes.
“A mim parece que está a ser construída uma narrativa para justificar as acções que serão tomadas contra as manifestações. Haverá medidas mais duras na mesma direcção”, afirmou Chaimite em entrevista. “Não me surpreenderia se voltarmos à lógica do ex-presidente (Nyusi), que já adoptava uma postura de maior repressão, com grandes implicações para o nosso sistema político, que há muito tempo é classificado como autoritário”, acrescentou.
Chaimite defendeu a necessidade de combater os oportunistas que se infiltram nas manifestações, mas alertou que a repressão excessiva pode agravar a violência.
Moçambique é classificado como um regime autoritário por várias organizações internacionais que avaliam a democracia, incluindo o Índice Global de Democracia da The Economist.
A Human Rights Foundation (HRF), uma organização sediada em Nova Iorque que combate o autoritarismo a nível global, condenou as declarações de Daniel Chapo através de uma publicação na rede social X (antigo Twitter). A HRF alertou para a criminalização do movimento pró-democracia no país.
“A HRF condena a retórica de Chapo, que ameaça criminalizar e suprimir o movimento pró-democracia em Moçambique. Embora o regime moçambicano tenha o direito de processar os responsáveis por actos de vandalismo, tem sistematicamente falhado em responsabilizar os agentes de segurança envolvidos em execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e intimidação de manifestantes e membros da oposição”, escreveu a organização.
As manifestações já resultaram em mais de 350 mortos, a maioria baleados pela Polícia, revelou Wilker Dias, líder da Plataforma Decide, durante a sua participação no MOZCAST esta quinta-feira. (JC/RD)