– Chapo pode estar a sinalizar uma ruptura com a actual governação feita à maneira de Nyusi e que divide muitas opiniões, dentro e fora do partido.
Por Hilário Chacate, docente de Relações Internacionais (hchacate@moztimes.com)
Filipe Nyusi governou Moçambique e dirigiu a Frelimo “à sua maneira”. Conseguiu isolar-se das alas estabelecidas no partido e criar o seu próprio núcleo de apoio para governar “à sua maneira”, como havia prometido. Manteve o controlo do partido em todos os momentos. Na hora de partida, ainda conseguiu influenciar a eleição do seu sucessor, propondo nomes de três pessoas que eram tidas como improváveis para a sua sucessão. A sua primeira aposta, Roque Silva, não passou no Comité Central do partido Frelimo. Passou Daniel Chapo que era um dos três propostos por Nyusi.
Com Chapo confirmado candidato, as alas dentro da Frelimo declararam apoio à sua candidatura. Será ele um elemento de união das alas ou de isolamento a Nyusi?
Daniel Chapo emergiu do anonimato, através de um processo de transição bastante conturbado, talvez uma das mais difíceis transições dentro da FRELIMO após a violência que se seguiu à morte de Eduardo Mondlane, em 1969. Nos livros “Lutar por Moçambique” e “Uria Simango-Um homem uma causa,” da autoria de Eduardo Mondlane e Bernabé Nkomo, respectivamente, é-nos apresentada uma transição caracterizada por prantos, dores, ranger de dentes e derramamento de sangue, após a morte do fundador do movimento de libertação nacional.
É verdade que a crise de sucessão na FRELIMO após a morte de Mondlane foi tão profunda que desde então não se viu nada comparável a isso. Desde então, seguiram-se transições pacíficas, como foram os casos da ascensão de Joaquim Chissano após a morte de Samora (1986) e a transição da era Chissano para os tempos de Guebuza (2010). Apesar da posterior relação azeda entre Guebuza e Nyusi, a sucessão daquele por este (2015) também foi tranquila.
Entretanto, no início da transição em curso, e inacabada, dentro da Frelimo, o fantasma de conflitos internos entre diferentes alas voltou a assombrar esta formação política. É deste contexto conturbado que emergiu Daniel Chapo, como fizemos menção. Foi para muitos uma grande surpresa a inclusão do nome de Chapo na lista da Comissão Política (CP) submetida ao Comité Central (CC) do partido Frelimo para a eleição do seu candidato às presidenciais de 09 de Outubro.
O próprio Chapo mostrou-se surpreso num comício organizado pelos simpatizantes da Frelimo na província de Inhambane para felicitá-lo pela sua eleição, ao afirmar que: “Fomos a Maputo para votar e voltamos votados”. Com estas palavras, Chapo deixava claro que não tinha equacionado a possibilidade de vir a ser candidato à presidência da República pela Frelimo, por um lado. Por outro, ficava evidente que quando saiu de Inhambane para Maputo, fê-lo na qualidade de um simples membro do CC e nunca como potencial candidato às presidenciais.
Depois da polémica e tensa sessão do CC da Frelimo que culminou com a eleição de Daniel Chapo, algo interessante tem estado a acontecer no seio dos camaradas. É que vários circuitos internos do partido, incluindo aqueles que se encontravam desavindos com a actual liderança, tendem a ladear Chapo e manifestar apoio incondicional à sua candidatura à presidência da República.
Quase todos procuram apresentar razões mais nobres e convincentes para justificarem o seu apoio ao candidato Chapo. Um deputado pela bancada parlamentar da Frelimo afirmou apoiá-lo incondicionalmente por este ser uma espécie em extinção (homem com habilidades únicas para entender e resolver os problemas que afligem aos moçambicanos) e porque a sua altura se adequa aos desafios que o país apresenta.
Outros alegam apoiá-lo por ser um homem humilde, com ficha limpa e que cultiva valores espirituais e religiosos. Há ainda aqueles que justificam o seu apoio incondicional a Chapo, por este ser uma pessoa que sabe ouvir e que começou de baixo, tendo sido, primeiro, administrador distrital, depois, governador provincial, para no fim ser candidato à Presidência da República. E, no entender destes, a sua trajectória respeitou o processo de gradualismo, o que o coloca em melhores condições para assumir os destinos dos moçambicanos.
Os argumentos apresentados pelas diferentes alas da Frelimo para suportar, sem reservas, a candidatura de Chapo, podem ser tidas como parte da história da FRELIMO, que apesar das divergências internas, as “facções” sempre se conseguem unir em torno do líder. Mesmo nos casos de acentuadas divergências entre as alas, como se viu na governação de Nyusi versus ala Guebuza, o máximo que aconteceu foi que a ala Guebuza se manteve neutra. Nunca houve deserções, similar ao que se viu no Congresso Nacional Africano (ANC), na África do Sul, em que Jacob Zuma desertou para liderar o seu recém-criado partido (uMKhonto weSizwe-MK).
O apoio das várias alas internas ao Chapo pode mostrar essa capacidade da FRELIMO de se unir, sempre, em torno da nova liderança. Entretanto, dadas as acentuadas divergências entre as alas Nyusi e Guebuza, pode haver risco de Chapo poder vir a ser tentado a hostilizar Nyusi, assim que este for a sair do poder.
Membros seniores da FRELIMO afirmam que apoiam Chapo por este ser humilde, saber ouvir e ter capacidade de lidar com os desafios que ao país se impõem. Este posicionamento transmite uma ideia de que Nyusi é desprovido de todas estas qualidades que se diz que Chapo tem.
Logo após a eleição do Chapo como candidato às presidenciais pelo partido Frelimo, o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, começou a criar narrativas visando provar que Chapo é produto da sua imaginação. Tendo sido ele a incluí-lo na primeira versão da short-list apresentada pela CP ao CC, e que culminou com a sua eleição, e na qualidade de Presidente da Frelimo e da CP, Nyusi tem dado todo o tipo de suporte a Chapo, tendo convencido aos órgãos do partido a indicá-lo como secretário geral interino. Para além disso, percorreu quase todo o país com vista a apresentá-lo como candidato certo, no momento certo, para assumir os destinos de Moçambique.
Várias figuras seniores, e com grande simbolismo dentro da Frelimo, que há bastante tempo não eram vistas a engajarem-se demasiadamente em processos de campanha eleitoral, recorreram às diferentes plataformas, incluindo redes sociais, para expressar o seu apoio a Daniel Chapo. Enquanto várias alas dentro do partido se esmeram em demostrar o seu apoio e lealdade ao candidato Chapo, este, por seu turno, tem estado a endurecer o tom do seu discurso contra a corrupção, nepotismo, delapidação do erário público e vários males que assolam a sociedade moçambicana, sobretudo no período da Governação Nyusi. Diante deste cenário, há uma questão que não quer e nem se deve calar: será Chapo um elemento de união das alas da Frelimo, ou de ruptura com Nyusi?
Foi noticiado, por vários órgãos de comunicação social, em vários momentos, que as relações entre o actual Presidente da República e Presidente Honorário da Frelimo, Armando Guebuza, azedaram, faz muito tempo. O mesmo pode ser dito sobre a relação entre o actual Chefe do Estado e a família Machel. Mediante este quadro, caracterizado por relações hostis entre Nyusi e algumas alas da Frelimo que se sentiram hostilizadas e marginalizadas pelo actual Governo, parece fazer sentido concluir que estes grupos procuram espaço para exercer alguma influência sobre Chapo, por forma a conseguirem alterar a actual ordem interna no partido e configurar um novo status quo que lhes seja favorável para vingança e para a salvaguarda dos seus interesses económicos e financeiros.
Outro aspecto que não nos deve escapar de vista é que quando o assunto é defender os ganhos económico-financeiros e negócios conquistados e consolidados pelos camaradas, ao longo de vários anos, estes se unem, deixando de lado as suas diferenças para fazer face a qualquer força política que possa vir a ser uma ameaça aos seus interesses.
A percepção de que existe um descontentamento generalizado, sobretudo no seio da juventude, associado ao mau desempenho do partido dos camaradas nas eleições autárquicas de Outubro do ano transato, pode ter levado as diferentes alas dentro da Frelimo a compreenderem que precisavam de se unirem mais, neste momento sensível, para evitar que alguém de fora chegue ao poder e se torne numa ameaça aos seus interesses, sobretudo os económicos.
Outrossim, é bastante provável que o alinhamento entre as diferentes alas dentro do partido dos camaradas seja temporário. Depois das eleições, pode ser que as raízes que alimentam brigas internas permaneçam e se aprofundem, por um lado. Por outro, é bem provável que a maior parte destas alas esteja numa corrida para capturar Chapo por forma a usá-lo como cavalo de batalha para proteger interesses de alguns e para vingar a dor de terem sido hostilizados e marginalizados, durante a governação de Nyusi.
Existe uma percepção generalizada de que durante a sua governação, para além do processo das dívidas ocultas que teve como principais alvos membros da administração Guebuza, Nyusi tenha criado vários inimigos que olham para o novo ciclo governamental, prestes a iniciar, como uma oportunidade para se vingarem. Para se precaver destas ameaças contra si, o actual Chefe de Estado precisa de assegurar que Chapo seja leal a si, tenha sentimento de dívida moral por lhe ter colocado na short-list, que o poderá levar à ponta vermelha, e seja usado como cordeiro para purificar os seus pecados, que parecem ser muitos.
Por fim, o tom do discurso de Chapo contra a corrupção, nepotismo, amiguismo e vários males que assolam o país e a sua estratégia de aproximação às diferentes alas do partido Frelimo, podem ter vários sentidos. Dentre eles, destaca-se a tentativa de reconciliar as alas desavindas dentro do partido e criar coesão interna por forma a conseguir apoio de todos os membros do partido e facilitar a sua governação nos próximos anos, caso venha a vencer as eleições de 09 de Outubro.
Chapo pode estar, também, a sinalizar uma ruptura com a actual governação feita à maneira de Nyusi e que divide muitas opiniões, dentro e fora do partido. Ao se confirmar a segunda hipótese, para além de ter de lidar com os pendentes de processo das dívidas ocultas em Londres, o actual Presidente da República poderá ter dias difíceis, assim que cessar as suas funções como Presidente da República. (HC)