- O partido Frelimo, no poder, diz que se trata de uma tentativa de golpe de Estado, enquanto o líder da oposição convoca os seus apoiantes a continuarem com a “guerra revolucionária”
Por Noémia Mendes e Sheila Nhancale
Maputo (MOZTIMES) - A capital de Moçambique, Maputo, está em estado de terror desde a manhã desta quinta-feira, com milhares de jovens a protestar em vários bairros periféricos e no centro da cidade. A polícia respondeu com grande violência, incluindo disparos de balas reais e bombas de gás lacrimogéneo contra manifestantes e para interior de residências.
Dezenas de pessoas ficaram feridas por balas reais disparadas pela polícia. A população revoltada começou a incendiar veículos estacionados em instituições públicas nos subúrbios, a pilhar lojas, a barricar ruas e a queimar pneus.
A porta-voz da comissão política do partido Frelimo, no poder, disse que o que estava a acontecer em Moçambique era uma tentativa de golpe de Estado.
“Estamos a assistir a apelos à violência, à desobediência, a uma insurreição geral. Uma tentativa de golpe de Estado”, disse Alcinda Abreu após uma reunião extraordinária da comissão política da Frelimo, o partido no poder em Moçambique desde a independência em 1975.
“Quando as pessoas são incitadas a ocupar o Palácio da Ponta Vermelha (palácio presidencial), é uma tentativa de atacar o poder, um poder que foi democraticamente estabelecido, legalmente legitimado”, disse Abreu, acrescentando que as Forças de Defesa e Segurança devem intervir para defender a ordem constitucional.
A polícia, destacada para conter a violência nas ruas, perdeu o controlo da situação e começou a disparar granadas de gás lacrimogéneo e balas reais para todo o lado, incluindo para dentro das casas, atingindo pessoas não envolvidas nas manifestações. Há relatos de crianças atingidas pelo fumo do gás lacrimogéneo nos bairros suburbanos.
A situação é crítica e é vista como a pior violência urbana na história do Moçambique independente. Ainda não há números oficiais de mortos e feridos, mas vídeos que circulam nas redes sociais mostram dezenas de pessoas baleadas pela polícia, enquanto jovens dos subúrbios montam barricadas nas ruas e ameaçam fazer bombas caseiras.
As organizações de defesa dos direitos humanos registam dezenas de mortes em todo o país desde que a revolta começou há duas semanas. Existe um risco elevado de que a violência se agrave durante a noite.
As forças armadas foram mobilizadas para as ruas, mas aparentemente não estão a exercer violência contra os manifestantes, apenas a proteger posições estratégicas na cidade.
O líder da oposição, Venâncio Mondlane, convocou as manifestações para contestar os resultados eleitorais que, segundo ele, são fraudulentos. Grupos internacionais e nacionais de observação das eleições relataram casos de fraude eleitoral, incluindo a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia, que referiu ter testemunhado casos de enchimento de urnas em seis das 10 províncias de Moçambique.
A revolta popular intensificou-se quando duas figuras importantes da oposição, Elvino Dias, advogado de Venâncio Modnlane, e Paulo Guambe, mandatário nacional do partido PODEMOS, que apoia a candidatura de Mondlane, foram mortos a tiro em Maputo por desconhecidos.
Mondlane acusou os esquadrões da morte da polícia de terem assassinado os seus colegas e apelou aos seus apoiantes para se manifestarem durante uma semana, culminando com uma marcha em massa sobre Maputo, esta quinta-feira.
Esta tarde, Mondlane dirigiu-se aos seus apoiantes numa transmissão em directo, exortando-os a continuarem as suas manifestações.
“Matem as pessoas que quiserem matar, mas isto não vai parar. Vamos continuar com as nossas manifestações, e não vamos parar até à vitória final”, disse Modnlane numa transmissão em directo vista por dezenas de milhares de pessoas na sua conta do Facebook.
“Estamos numa guerra, uma guerra revolucionária, uma guerra pelo país, uma guerra pela verdade. Não vamos parar”, acrescentou, lamentando as mortes e os boleamentos contra os seus apoiantes.
O líder da oposição disse ainda que os seus advogados apresentaram uma petição ao Tribunal Penal Internacional contra os dirigentes políticos e chefes de polícia que ordenaram a violência policial contra os manifestantes.
Mondlane tinha prometido liderar as manifestações em Maputo esta quinta-feira, depois de ter passado semanas escondido. Não apareceu e explicou que continuava escondido em resposta ao apelo do povo.
“O facto de Venâncio Mondlane estar presente nestas manifestações é muito positivo porque a sua presença aumentaria o impacto da violência extrema”, disse em entrevista Gabriel Ngomane, analista político e professor na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.
“Se ele estivesse em casa, os seus apoiantes teriam um tipo de hostilidade diferente do que estamos a ver hoje, e a sua vida estaria em risco”, acrescentou Ngomane. (NM/SN)
















