Maputo (MOZTIMES) – O comandante do Instituto Superior de Estudos de Defesa, tenente-general Freitas Norte, veio a público negar que moradores de Mocímboa da Praia se tenham manifestado contra a presença de tropas moçambicanas naquela vila, sugerindo que os vídeos que circularam nas redes sociais foram “manipulados”.
“Eu vi as imagens. Aquelas imagens, para quem esteve no Teatro Operacional Norte e conhece, em particular, Mocímboa da Praia, há algumas perguntas que deve colocar. Porque, em termos do cenário, o espaço onde aquela actividade é difundida, não é, nem tem nenhuma relação com o espaço que é Mocímboa da Praia”, disse o comandante do Instituto Superior de Estudos de Defesa, citado num artigo publicado pelo jornal O País no dia 18 de Setembro.
Com estas declarações, o general Freitas Norte tenta negar o óbvio. Aproveita o facto de não haver imprensa em Mocímboa da Praia para afirmar que as imagens, captadas por telemóveis de pessoas presentes no local, são falsas ou manipuladas. Assim, cria confusão no público e chegou a forçar alguma imprensa a desmentir artigos divulgados dias antes
No entanto, o incidente reportado em Mocímboa da Praia efectivamente aconteceu. Na manhã de 9 de Setembro, a população foi convocada para uma reunião com o Administrador do Distrito, Sérgio Cipriano, no pátio da EPC 30 de Junho, localizada no bairro do mesmo nome. Quando centenas de pessoas já se encontravam no local, a comitiva do Governo chegou, acompanhada por militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), fortemente armados.
De imediato, os presentes levantaram-se e começaram a gritar que não iriam atender à reunião com a presença de militares moçambicanos. Alguns exigiram a presença de militares ruandeses na reunião.
O protesto ocorreu dois dias após o ataque de insurgentes à Aldeia 30 de Junho, também conhecida por Filipe Nyusi, no qual pelo menos seis pessoas foram assassinadas. Esta foi a primeira incursão de insurgentes na vila-sede de Mocímboa da Praia desde que foram expulsos pelas tropas do Ruanda, em Agosto de 2021.
A população, furiosa, inviabilizou a reunião com cânticos e barulho, forçando a delegação do Governo a retirar-se. Enquanto uns vaiavam os membros da comitiva governamental, outros cantavam, na língua kimwani (falada localmente), “Tiwassaka Waruanda”, que significa “queremos ruandeses”.
A interpretação mais correcta é que a população não exigia a retirada das FADM da vila de Mocímboa da Praia, mas sim do local da reunião.
Vários vídeos e relatos de moradores locais confirmam que o incidente efectivamente aconteceu. Ao negar a ocorrência destes factos, o general Freitas Norte repete um padrão pouco dignificante para as FADM, mas recorrente, de negar o óbvio.
Desde o início da insurgência em Cabo Delgado, as FADM e o Governo, no seu todo, têm negado a ocorrência de vários factos. Chegou-se ao ponto de o Governo e as FADM negarem que Mocímboa da Praia estave sob controlo de insurgentes entre Agosto de 2020 e Agosto de 2021, período em que a vila serviu como base central dos insurgentes. Omitiu-se,inicialmente, que mais de 50 jovens tinham sido massacrados pleos insurgentes no distrito de Muidumbe.
O general Bertolino Capitine afirmou, numa aula proferida a 30 de Setembro de 2024, no Centro de Estudos Internacionais da Universidade Joaquim Chissano, que o Governo negava que certas aldeias em Cabo Delgado estavam sob controlo de insurgentes, ou que se manipulavam números de insurgentes neutralizados em combates com as FADM. As declarações valeram-lhe a demissão imediata do cargo de vice-chefe do Estado-Maior General.
Esta prática recorrente do Governo e das FADM de negar o óbvio sobre o conflito em Cabo Delgado, para além de confundir a opinião pública, desacredita as instituições. Cada vez menos se acredita na informação oficial sobre o conflito, o que deveria preocupar as lideranças políticas e militares. O maior risco é o público passar a confiar mais em informação de fontes não oficiais, incluindo a propaganda do Estado Islâmico, que reivindica os ataques em Cabo Delgado. (MT)