– A presença prolongada dos militares em tarefas civis pode levar as chefias militares a desenvolver tendências intervencionistas e a acreditar na sua superior capacidade de gerir sociedade” – João Honwana[i]
Maputo (MOZTIMES) – O Presidente Daniel Chapo instruiu as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) a posicionarem-se na linha da frente no combate às manifestações populares que se registam por todo o país, desde a divulgação dos resultados das eleições de 9 de Outubro.
Discursando na “Abertura do Ano Operacional Militar de 2025”, no distrito de Mocuba, província da Zambézia, Chapo disse: “A partir de hoje, sejam mais actuantes, mais valentes como sempre, mais bravos e mais pragmáticos nas operações militares. Por outras palavras, estamos a afirmar que os vossos gabinetes de trabalho devem ser, preferencialmente, os teatros operacionais e as trincheiras, principalmente no teatro operacional norte. Aqui, na província da Zambézia, combater os ditos naparamas e enfrentar as ditas manifestações eleitorais.”
Este discurso de Chapo, dirigido às chefias militares, é muito perigoso numa democracia onde as Forças Armadas têm missões muito específicas, distintas da Polícia.
Antes da Constituição de 1990, durante o regime monopartidário, as Forças Armadas em Moçambique estavam ao serviço do partido-estado. Porém, a partir de 1990, com a nova Constituição democrática, as Forças Armadas tornaram-se republicanas e apartidárias. A sua missão central é defender a soberania, a independência nacional e a integridade territorial de Moçambique.
Em Moçambique, como em qualquer democracia, as Forças Armadas podem intervir para auxiliar as forças policiais na garantia da segurança pública. Mas isso só acontece em circunstâncias muito específicas em que essa intervenção seja justificada. Fora destas circunstâncias excepcionais, a Polícia deve manter-se nas ruas e os militares nos quartéis.
Este é o regime de defesa e segurança prevalecente em Moçambique, desde o VI Protocolo do Acordo Geral de Paz de Moçambique (1992) até a mais recente Política Nacional de Defesa e Segurança (2019).
Ao dar ordens de comando às chefias militares para que as FADM se posicionem na linha da frente de combate às manifestações populares, Daniel Chapo demonstra uma perigosa ignorância do papel das Forças Armadas. Se tal ignorância é intencional ou fruto de desconhecimento, ninguém sabe ao certo, salvo o próprio Presidente Chapo. O certo é que o discurso foi proferido num local errado, para uma audiência errada e, como tal, a sua implementação não tem como dar certo.
Num artigo intitulado “Reflexões sobre defesa, segurança e democracia em Moçambique”, publicado em 1995, João Honwana explica os perigos que discursos como o do Presidente Chapo podem representar.
Primeiro, porque “as forças armadas são concebidas e treinadas para usar o máximo da força na destruição do inimigo no campo de batalha, e não para manter a lei e a ordem num meio essencialmente civil”. Por isso, defende o autor, “os militares devem ser exclusivamente para combater a ameaça externa e não os seus próprios concidadãos.”
Segundo, Honwana defende que “o envolvimento das forças armadas em funções de segurança interna enfraquece consideravelmente a sua legitimidade perante sectores importantes da sociedade e normalmente exerce uma influência negativa na sua coesão e moral…”
E, por fim, o autor defende que “a presença prolongada dos militares em tarefas civis pode minar o seu profissionalismo e prontidão combativa e pode levar as chefias militares a desenvolver tendências intervencionistas e a acreditar na sua superior capacidade de gerir a sociedade.”
Daniel Chapo afirmou que as manifestações populares “são ilegais, ameaçam a paz, a ordem e a segurança dos cidadãos (…) e têm estado a semear luto nas famílias; a destruir infraestruturas públicas e privadas, bem como a dilacerar a nossa economia.”
É inegável que as manifestações, na forma como decorrem, são um sério problema. Medidas precisam de ser tomadas, de forma urgente, para que a vida volte ao normal. Mas a solução não pode ser destacar as Forças Armadas para combater os seus próprios concidadãos, usando as palavras de João Honwana.
As manifestações têm uma causa política, que se expressa no acesso ao poder e na inegável fraude eleitoral que marcou as eleições que colocaram o próprio Daniel Chapo na Presidência da República. Como tal, a sua solução também deve ser essencialmente política. Um diálogo político com o líder das manifestações, Venâncio Mondlane, pode ser o mais sensato a fazer.
Porém, Daniel Chapo parece estar a fazer tudo ao contrário. Está a ignorar o seu principal oponente político e a chamar partidos inexpressivos para simular um diálogo. Este diálogo está, a priori, condenado ao fracasso quanto ao seu objectivo de reestabelecer a estabilidade.
Chapo está a gastar tempo e recursos a dialogar com PRD, PAHUMO, PARENA, PARESO – partidos que não são conhecidos pela maioria dos moçambicanos. O próprio Chapo está ciente de que este diálogo não trará resultados por isso está a confiar nas Forças Armadas para resolver um problema político. Contudo, usar militares para combater os seus próprios concidadãos é perigoso até para o próprio Daniel Chapo. Como bem defende Honwana, pode “levar as chefias militares a acreditarem na sua superior capacidade de gerir sociedade”. O que daí advier pode ter consequências mais perigosas do que as das manifestações.
[i]Honwana, J. (1995). Reflexão sobre defesa, segurança e democracia em Moçambique. In B. Mazula (Ed.), Eleições, democracia e desenvolvimento (pp. 559–577). Maputo. (MT)