– Denúncia de corrupção foi submetida ao Ministério Público em 2019, mas até hoje não há responsabilização
– Filho do ministro das Finanças, Adriano Maleiane, usou da sua influência para a Autoridade Tributária efectuar pagamentos ao fornecedor
Por Sheila Nhancale
Maputo (MOZTIMES) – A Autoridade Tributária de Moçambique (AT) investiu, em 2016, 70.203.799,90 Meticais na contratação de um Sistema Informático para a Gestão das Máquinas Fiscais (SGMF), mas o projecto permanece até hoje inoperacional.
Há suspeitas de corrupção envolvendo altos quadros da AT e gestores da empresa fornecedora de serviços. Dino Maleiane, filho do ministro das Finanças, Adriano Maleiane, envolveu-se no negócio para exigir que a Autoridade Tributária de Moçambique efectuasse pagamentos ao fornecedor das máquinas fiscais, que é seu amigo.
Denúncias de corrupção foram submetidas ao Ministério Público em 2019 e até aqui nenhumas medidas foram tomadas para responsabilizar os envolvidos, expondo graves falhas na prevenção e combate à corrupção no país.
A AT lançou um concurso público internacional, n.º 01/AT/16 em 2016, para a contratação de um sistema destinado a modernizar e optimizar a arrecadação fiscal, promover eficiência e transparência no sector tributário. O projecto ficou conhecido como “máquinas fiscais”.
Foi seleccionado o Consórcio Lis/Inspur, constituído pelas empresas Lis-Sistemas Integrados, Lda e Inspur (chinesa). A Lis-Sistemas Integrados, Lda é detida por Hélio Mahanjane (60%), Alberto Clésio dos Santos Nhamposse (30%) e Lis Moçambique (10%) – esta última tem também como accionista maioritário Hélio Mahanjane. O consórcio foi contratado para fornecer os serviços no valor de 70.203.799,90 Meticais e recebeu todo o montante do contrato, mas o projecto nunca entrou em funcionamento.
Hélio Mahanjane, entrevistado durante a investigação, confirmou ter recebido o pagamento do valor total do contrato e disse que cabe à Autoridade Tributária explicar a razão de o projecto não estar operacional. A AT não responde à carta de solicitação de informação submetida há mais de três meses.
Documentos consultados durante a investigação comprovam que pelo menos duas prestações foram facturadas e pagas pela AT na conta da Lis-Sistemas Integrados, Lda. A primeira factura foi emitida em Novembro de 2017, no valor de 21.061.139,97 Meticais, e foi paga no dia 22 Dezembro do mesmo ano. A segunda factura, no valor de 28.081.519,96 Meticais, foi paga no dia 3 de Outubro de 2018. Todos os pagamentos foram efectuados para a conta bancária da Lis-Sistemas Integrados, Lda, domiciliada no extinto Banco Único.
Apurou-se ainda que parte dos fundos destinados a financiar o projecto foram desviados para pagar comissões a altos dos funcionários da AT.
Um mapa de pagamentos, ao qual a investigação do MOZTIMES teve acesso, revela o plano de pagamentos de comissões a pessoas não identificadas de forma explícita. Usa-se uma linguagem codificada para identificar as referidas pessoas.
Segundo o apurado, os pagamentos são de subornos e ou de comissões ilegais para funcionários da AT que facilitaram o negócio e também para Dino Maleiane, filho do ministro da Economia e Finanças.
Na lista dos pagamentos ilícitos constam, por exemplo, pessoas denominadas “Manipulador”, que recebeu 5.920.000,00 Meticais, “Irmão do teu amigo”, que recebeu 3.100.000,00 Meticais, e “Apoio técnico da AT”, que recebeu 600.000,00 Meticais.
Alberto Nhamposse, um dos accionistas da Lis-Sistemas Integrados, Lda, afirmou que os termos “Manipulador” e “Irmão do teu amigo” referem-se, respectivamente, a Bruno Rodolfo, director do Projecto na Autoridade Tributária, e a Dino Maleiane, filho do ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane.
Em entrevista ao MOZTIMES, Nhampossa explicou que o seu sócio Hélio Mahanjane é que revelou a identidade dos beneficiários dos subornos e das comissões ilícitas.
Hélio Mahanjane e Dino Maleiane refutaram estar envolvidos em pagamentos e recepção de pagamentos ilícitos relacionados com o projecto. No entanto, Dino Maleiane afirmou que ajudou o seu amigo, Hélio Mahanjane, perguntando a altos funcionários da Autoridade Tributária sobre qual era o estágio do pagamento das facturas submetidas pela sua empresa. Mencionou, especificamente, que falou com Muanjuma Sualé, que na altura era responsável pelas Finanças da AT. Actualmente Muanjuma Sualé exerce funções de delegada da AT na província de Nampula. Afirmou também ter falado com o director-geral dos Serviços Comuns da AT, Venâncio Francisco. Contudo, negou que tenha recebido algum benefício em troca dos contactos por si feitos. Fez tudo para ajudar o seu amigo.
Bruno Rodolfo, quando contactado, recusou-se a prestar qualquer declaração alegando que todas as comunicações relacionadas com o projecto deviam ser submetidas à Autoridade Tributária e não serem feitas através do seu contacto pessoal.
Cerca de 30 dias antes de entrar em contacto com Bruno Rodolfo, a equipa de investigação submeteu uma carta à Autoridade Tributária que até aqui não teve resposta.
O caso ilustra a vulnerabilidade à corrupção dos processos de contratação pública em Moçambique. A legislação moçambicana previne e pune a corrupção, tal é o caso da Lei nº 12/2024, de 18 de Junho, que reforça os princípios de probidade pública, e o Decreto nº79/2022, de 30 de Dezembro, que estabelece mecanismos para garantir transparência, igualdade e eficiência nos processos de contratação. Moçambique é, também, signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e da Convenção da União Africana sobre Prevenção e Combate à Corrupção, que exigem medidas claras para promover a transparência em contratos públicos.
Apesar da vigência de leis que previnem e punem a corrupção, as instituições da administração da justiça mostram incapacidade na aplicação da lei, o que favorece a impunidade de actos de corrupção.
De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção (CPI) de 2023, da Transparência Internacional, Moçambique ocupa a 146ª posição entre 180 países, com uma pontuação de 25 em 100 possíveis, evidenciando níveis muito altos de corrupção que impactam negativamente o desenvolvimento económico e a confiança pública.
Ministério Público sem acção
O Ministério Público, através da Procuradoria da Cidade de Maputo, recebeu, em 2019, uma denúncia de corrupção na AT, relacionada com este caso e abriu o Processo n.º 204/20. A denúncia foi submetida por um dos sócios da empresa vencedora do concurso, Alberto Nhamposse, que afirmou não concordar com os desvios de fundos para pagar a funcionários da AT e com outros problemas de má gestão. No entanto, passados cinco anos desde que o Ministério Público recebeu a denúncia o processo não teve andamento.
O Ministério Público é responsável por zelar pela legalidade e defender os interesses públicos (alínea b) do artigo 04 da Lei n.º 01/2022, de 12 de Agosto), e há evidências de inércia neste caso, o que levanta questões sobre a eficácia do sistema judicial em Moçambique no combate à corrupção. A inacção do Ministério Público compromete a credibilidade das instituições responsáveis pela justiça e perpetua a cultura de impunidade.
Segundo documentos consultados do processo, Alberto Nhamposse foi citado para comparecer na Procuradoria da 5ª Secção no dia 29 de Dezembro de 2019 onde prestou depoimento em autos de perguntas, lavrado pelo procurador Carlos Banze, representante do Ministério Público junto ao Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMpfumo.
Apesar dessas iniciativas, desde a realização da audição até a presente data, o Tribunal não proferiu qualquer despacho, seja de acusação, pronúncia ou despronúncia. Passados mais de cinco anos desde a abertura do processo, a ausência de progresso no caso levanta sérias preocupações sobre a eficácia e a celeridade do sistema de justiça no tratamento de casos de corrupção envolvendo instituições públicas.
*Investigação financiada pelo Centro de Integridade Pública (CIP) no âmbito de Programa de Combate à Corrupção na Justiça